2024-12-28

O regresso da censura (4)


Boa parte do público apercebeu-se do aparecimento desta nova modalidade de censura e, cada vez mais, tem plena consciência da sua existência, até porque ela é por demais evidente. Algumas notícias são tão patentemente lacunares em aspectos essenciais, que até se tornam anedóticas. A tal ponto, que admito a hipótese de o jornalista que elabora a notícia o fazer de forma a, intencionalmente, não só evidenciar as lacunas, como usar palavras sugestivas daqueles que foi «incentivado» a omitir. Tal qual as descrições que me lembro de ver, no pós-revolução, jornalistas fazerem da sua actividade no tempo da censura prévia do Estado Novo. A palavra proibida é substituída por uma palavra que a sugere. Ou, em vez disso, a notícia é elaborada de forma a ficar patente que se encontra incompleta.

Dou dois exemplos recentes, relativos ao mesmo evento – link 1; link 2.

É evidente que falta, em qualquer destas notícias, um facto fundamental para o leitor compreender o que realmente se passou. Em contrapartida, tudo indica que quem as escreveu quis dar a conhecer esse facto através do fornecimento de outros que claramente o indiciam.

Assim, nesta notícia, escreveu-se que quem destruiu o café foi uma «família» e não, por exemplo, um «grupo de pessoas»; nesta, o grupo de agressores também foi designado como «família» e indica-se, como facto que desencadeou a agressão, um desentendimento entre o «patriarca» dessa família e os responsáveis de um café.

A «palavra proibida» («ciganos», obviamente) nunca foi escrita, mas foram-no palavras que a sugerem de forma evidente. Tal qual acontecia no tempo do Estado Novo, quando a notícia fosse escrita por um jornalista mais atrevido, que quisesse pôr à prova a sagacidade e a atenção de quem, então, desempenhava a odiosa tarefa do policiamento da palavra.

É neste ponto que nos encontramos. Há quem viva muito bem com isto. Há, até, quem afirme que isto fortalece a democracia, parecendo esquecer-se de que esta pressupõe a existência de liberdade de expressão e de liberdade de informação.

Não é o meu caso. Vivo mesmo muito mal com limitações à liberdade de expressão e à liberdade de informar e estou certo de que as mesmas estão a minar a democracia. Amo demasiado a liberdade, o conhecimento e a verdade, para me conformar com este estado de coisas.