O texto que se segue foi, em boa hora, deixado na caixa de comentários do post anterior. Completa, na perfeição, aquilo que escrevi a propósito da videoconferência. Com o consentimento presumido da sua autora, Eva Garcia, aqui fica, com o destaque que merece.
«Confesso que não resisti a fazer um comentário a esta postagem.
Comecemos pelo início: eu oficial de justiça me confesso.
Especificando, Escrivã Auxiliar.
Escusado será dizer que nas funções que inerem a esta categoria estão as malfadadas vídeoconferências. E no meu caso concreto desde Novembro de 2004 que asseguro todas as que são pedidas ao tribunal onde trabalho, para além de assegurar todos os sumários e actos de instrução, com interrogatórios incluídos. E vídeo conferência significa SEMPRE, SEMPRE, SEMPRE, mas SEMPRE, uma gigantesca irritação!
Começamos pelo quase ritual dos telefonemas: "colega a testemunha está?” “Colega pode dar-me o nº da vídeo?” “Colega podemos fazer o teste?", etc., etc., etc..
E lá ando eu de um lado para o outro!
Depois vem a chamada “de viva voz” e o explicar à/às testemunha/as que não sabemos quanto tempo irá demorar a sua inquirição, que é exactamente o mesmo que estarem no tribunal onde decorre o julgamento, que tanto podem ser ouvidas dali a 5 minutos como dali a 2 ou 3 horas e que a única função da vídeo conferência é evitar uma deslocação à comarca onde decorre o julgamento.
E depois de muitas perguntas e outras tantas respostas, ouvir um chorrilho de reclamações e de indignações que a justiça está cada vez pior, que ninguém faz nada etc., etc.
E nisto lá se passam 15 minutos em que, de concreto, nada se fez.
Depois lá vem a história do teste.
E a “coisa” não funciona...
E lá se liga e desliga o aparelho que entretanto bloqueou.
E lá vem um colega a correr da secretaria a dizer que está ao telefone “o colega” a pedir para ligarmos nós para o tribunal “que eles não conseguem”.
E a coisa não funciona...
E lá vem nova chamada para dizer que afinal também não conseguimos. “Ó colega tente lá outra vez, sff.”
E a coisa não funciona...
E mais um telefonema “Ó colega se não conseguirmos agora vou dizer ao Juiz e já lhe ligo”.
E a “coisa” não funciona...
E lá foram mais 20 minutos.
E eu sem fazer nada de visível!
E passado mais um bocado lá vem mais uma chamada: “Ó colega, vou tentar novamente!”
E lá vou eu novamente para a biblioteca. E a “coisa” lá funciona.... Ops! Falei cedo demais. Foi só a imagem. O som..... Ups! .... parece vir do centro da terra! Sobe volume, desce volume. Pega num comando, larga o outro e já se vê o Juiz lá ao fundo, com ar de enfado. E a irritação lá aumenta! Em tom roufenho ouve lá de longe “obriiiiiiiii.... coleeeeeee....”
E lá foram mais 15 minutos.
E agora são as testemunhas a perguntar se demora muito.
E lá saem mais umas explicações e lá se ouvem mais uns “desabafos! Que isto não é nada com a menina! A culpa é do sistema!” (É o sistema e o legislador! Se descubro quem eles são juro que me vingo!)
E lá volto eu para a secretária.
E lá foram mais 15 minutos sem fazer nada de visível e monte de processos em cima da mesa!
Tempo depois mais um telefonema: “Ó colega pode pôr a testemunha na sala.”
Mais uma chamada de viva voz e lá está a testemunha sentadinha muito desconfortável à frente da televisão. E liga e desliga e torna a ligar. E 10 telefonemas depois lá temos a testemunha aos gritos para se fazer ouvir, os advogados de testa franzida e o juiz com outra irritação!
Bem, mas este é o final feliz desta odisseia num tribunal com 3 juízos, 3 juizes de comarca, mais um auxiliar, mais dois de círculo.
E agora falta contar o resto: com duas salas de audiências.
E como diz o povo “quem chega primeiro apanha lugar”, quantas e quantas vezes, depois de toda a odisseia já relatada, chega a hora de “meter a testemunha na sala” (leia-se biblioteca) e já lá está a decorrer um julgamento, porque as salas “já estavam ocupadas.”
E pronto! este é o outro final infeliz, para além daquele já habitual e que tão bem conhecem: e a coisa (leia-se vídeo) não funciona...
E agora, como acaba a“triste” escrivã auxiliar?
Com uma irritação do tamanho do mundo (e a verba para os ansiolíticos ainda não é parte integrante do vencimento), com a fama que durante meia manhã não fez nada, com meia dúzia de cigarros fumados e com uma raiva do tamanho do mundo ao “senhor” que inventou este sistema.
E para não dizerem que sou má língua e que não dou sugestões para melhorar o serviço proponho que seja criado um endereço no Hotmail para cada juízo de todos os tribunais deste país e que depois seja oferecido um PC com MSN instalado, a “competente” ligação à net, o “competente” endereço e a “competente” Web Cam a cada testemunha a ser ouvida por vídeo conferência, que assim só teriam que se conectar ao programinha da Microsoft.
E os custos? – perguntará.
Sugiro que se aproveite a onda benemérita do mais recente condecorado da nação.
Eu cá por mim ofereço-me para testemunha profissional lá para as bandas da Ericeira.»