2005-12-23

Um fiasco chamado videoconferência - 2


Muita gente tem falado sobre a fraca eficácia do sistema de justiça – que me parece evidente –, mas poucos têm procurado apurar, com rigor e sem outra preocupação que não seja a de melhorar o funcionamento da «máquina», o que realmente emperra esta última.

Com plena consciência da minha insignificância – não passo de um juiz de 1.ª instância que, um dia, resolveu fazer um blog –, vou por aqui deixando o que penso acerca das causas da referida pouca eficácia. À falta de outra utilidade, o simples facto de aqui ir escrevendo dá-me prazer e isso basta-me.

Vou escrever mais um pouco sobre a videoconferência.

O sistema de videoconferência foi introduzido nos tribunais há alguns anos, os códigos de processo foram alterados por forma a prever a inquirição de pessoas por esse meio e, desde então, não conheço qualquer actividade de acompanhamento, por parte do Ministério da Justiça ou de alguma entidade por ele mandatada, do seu funcionamento. Pelo menos, esse acompanhamento não existiu nos tribunais onde tenho exercido funções.

Ninguém se preocupou em indagar, junto dos juízes, se o sistema de videoconferência funciona em condições, se as coisas correm bem no dia a dia. Provavelmente, por se pressentir que as respostas seriam pouco agradáveis.

Na parte que me toca – e, por aquilo que por aí vou lendo e ouvindo, o mal é geral –, a experiência tem sido a pior possível.

Na maior parte das vezes, ou não se vê, ou não se ouve, ou ambas as coisas ao mesmo tempo. Então, lá tem de vir a testemunha ao tribunal onde o julgamento está ser feito, em data posterior, com prejuízo para todos – para a testemunha, porque já perdeu tempo a deslocar-se ao tribunal onde deveria ser ouvida e acabou por não o ser, acabando por perder dois dias em vez de um; para os juízes e advogados, devido ao facto de a audiência de julgamento ter de continuar noutro dia, o que, para quem tem a sua agenda sobrecarregada, constitui um enorme problema.

Noutras vezes, vê-se e ouve-se mal a pessoa que está «do outro lado», mas, apesar de tudo, quem está na sala de audiências lá vai, a custo, percebendo. Porém, coloca-se um problema adicional: a qualidade do som é de tal forma deficiente que a sua gravação – feita de forma artesanal, ou seja, com o microfone do gravador de cassetes encostado à coluna do computador por onde sai um som já dificilmente perceptível – não é possível. Também nestas situações tem de agendar-se uma data posterior para a inquirição presencial.

Na melhor das hipóteses, vê-se e ouve-se mal mas, apesar de tudo, quem está na sala lá vai percebendo e a gravação também é perceptível.

Porém, em qualquer das referidas hipóteses, uma coisa perde-se sempre e em grande quantidade – tempo! Perde-se muito e precioso tempo de trabalho!

Com o estabelecimento do contacto com o outro tribunal (o que, na maior parte das vezes, pressupõe um sem número de tentativas), a constante necessidade de interromper o inquirido para este repetir palavras que não foram perceptíveis, as quebras de comunicação que por vezes ocorrem e o seu restabelecimento, entre outros incidentes, não é exagero dizer-se que um depoimento através de videoconferência demora, no mínimo, o dobro do tempo de um depoimento presencial.

Seria bom que alguém fizesse estas contas, calculasse o tempo de trabalho que já se perdeu em consequência da introdução da videoconferência e publicasse as conclusões.

Mais não fosse para que os cidadãos que não pertencem «ao meio» e muito legitimamente se interrogam acerca das razões por que os tribunais portugueses funcionam mal começassem a obter as respostas a que têm direito.