2006-05-31

Alteração do Código Penal - Art. 50.º, n.º 5

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Parece-me consensual a ideia de que qualquer diploma legal só deve ser alterado se e na estrita medida em que se reconheça que alguma ou algumas das suas normas contêm soluções inadequadas para as situações da vida que regulam – ou porque o eram logo à nascença, ou porque assim ficaram devido ao decurso do tempo, ou porque, entretanto, se encontrou solução melhor.

Mudar uma lei só por mudar não faz sentido.

Se o diploma a alterar for um código, será assim por maioria de razão, pois a expectativa de estabilidade daquele é maior.

Vêm estas banalidades a propósito – como não podia deixar de ser – do projecto de alteração do Código Penal.

O actual n.º 5 do art. 50.º deste código estabelece que o período de suspensão da execução da pena de prisão é fixado entre 1 e 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão. Ou seja, a duração da suspensão é independente da da pena.

Por razões que não são explicitadas, resolveu-se alterar o preceito em causa, que passará a ter a seguinte redacção: «O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a 1 ano».

Gostaria de saber o que leva os autores do projecto a quererem esta alteração.

O regime actual deve ser alterado porquê? Parece-me que o mesmo faz todo o sentido. Nomeadamente, pode bastar a ameaça de uma curta pena de prisão durante um período mais prolongado para realizar as finalidades da punição. A norma em questão dá, e muito bem, ao juiz, margem de manobra para fixar a solução mais adequada a cada caso concreto.

Aliás, não tenho notícia de a sua aplicação pelos tribunais estar a gerar algum problema. Creio mesmo que se trata de uma das normas mais consensuais do Código Penal, tendo em conta o insignificante número de decisões de tribunais superiores sobre a mesma que se encontram publicadas.

E quais são as vantagens do novo regime? A meu ver, trata-se de uma solução errada, que retira margem de manobra ao juiz para fixar a solução mais adequada para cada caso concreto e para a qual não encontro qualquer explicação válida.

Aqui, a mudança é, claramente, para pior.

2006-05-21

Admoestação de pessoa colectiva


O art. 90.º-C do projecto de revisão do Código Penal estabelece que se à pessoa colectiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação, aplicando-se correspondentemente o disposto nos números 2 e 3 do art. 60.º.

Confesso que se há coisa que nunca me tinha passado pela cabeça poder vir a fazer é admoestar uma pessoa colectiva.

Admito, porém, que se tenha tratado de mera falta de imaginação da minha parte e existam exemplos de tal prática por esse mundo fora e com excelentes resultados.

O n.º 2 pretende explicar como isso se faz – a admoestação consiste numa solene censura oral feita em audiência, pelo tribunal, ao representante legal da pessoa colectiva ou entidade equiparada ou, na sua falta, a outra pessoa que nela ocupe uma posição de liderança.

Creio que a aplicação prática deste regime vai suscitar algumas dificuldades.

Vou referir a primeira que me ocorreu, no tom ligeiro que este tipo de comunicação permite.

Imaginemos que a condenada é uma sociedade anónima cujo conselho de administração é constituído por 5 membros.

Qual deles deverá ser o «depositário» (destinatária é a sociedade) da admoestação?

Obrigatoriamente todos os membros do conselho de administração?

Apenas o presidente deste órgão social?

Poderá o conselho de administração delegar em qualquer dos membros a «tarefa» de ir ao tribunal ouvir a admoestação? Na hipótese afirmativa, a escolha é livre? Ou deverá recair, se possível, sobre o ou os membros que eventualmente respondam criminalmente a título individual?

Poderá essa delegação ser feita em alguém que não seja membro do conselho de administração, que até poderia ser uma espécie de «admoestando profissional», que «iria a todas», assim poupando os membros daquele órgão ao incómodo que necessariamente implica ser «depositário» de uma admoestação?

Em qualquer das referidas hipóteses, o ou os «depositários» da admoestação dirigida à sociedade ficam vinculados a algum específico dever de comunicação formal do conteúdo desta última aos outros membros do órgão social a que eventualmente pertença e/ou aos restantes órgãos, como parece impor-se tendo em conta que são meros «portadores» de uma pena destinada a outrem?

No meio disto tudo, onde fica a realização do fim da pena?

Por fim, a minha verdadeira dúvida – fará algum sentido admoestar uma pessoa colectiva ou entidade equiparada?

Não será essa pena incompatível com a natureza meramente jurídica dessas entidades, tal como acontece com a prisão?

E será adequado sujeitar-se um representante de uma pessoa colectiva ou entidade equiparada ao estigma de suportar, num tribunal, numa audiência pública, no «banco dos réus», uma admoestação que não é dirigida a si e por factos a que até pode ser totalmente alheio? Não poderá tal prática violar a dignidade pessoal desse representante?

2006-05-17

Revisão do Código Penal - Art. 43.º


Apenas hoje tive oportunidade para iniciar uma primeira leitura do projecto de alteração do Código Penal.

Parei no novo art. 43.º.

O n.º 1 estabelece que a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

O mesmo n.º 1 reproduz a parte final do actual art. 44.º/n.º 1: «É correspondentemente aplicável o disposto no art. 47.º».

É aqui que me parece haver alguma incongruência.

O actual art. 44.º/n.º 1 apenas prevê a possibilidade de substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses.

Uma vez que o novo art. 43.º/n.º 1 duplica o limite máximo da pena de prisão para o efeito de possibilidade de substituição, não faria sentido aumentar, para o mesmo efeito, o limite máximo da multa?

É que, de acordo com o projecto, nem sequer a correspondência 1 dia de prisão/1 dia de multa será possível estabelecer em muitos casos – quando a pena de prisão a substituir for de 1 ano, esbarrar-se-á no limite do art. 47.º/n.º1, que se manterá em 360 dias.


2006-05-12

Magistrados não licenciados em Direito


Na linha do que vem acontecendo na área da Justiça de há uns tempos a esta parte e com uma cadência impressionante, fomos surpreendidos por mais uma infelicíssima (para dizer o mínimo) ideia (para dizer o máximo): a da possibilidade de acesso às magistraturas judicial e do ministério público por não licenciados em Direito.

Devemos estar preparados para novos episódios sobre o tema, pois, como é evidente, a ideia agora lançada não surgiu do nada, antes correspondendo a ambições antigas de sectores muito influentes junto do poder político, que não irão desistir de lutar pelo reforço dessa influência, ainda que à custa do interesse público na existência de uma Justiça prestigiada, prestígio esse que pressupõe, entre outras coisas, que aquela seja exercida por pessoas com a indispensável competência técnica.

Mas também é importante não esquecer mais esta situação.

A memória das pessoas é curta, o que tem permitido que hoje se diga ou faça o maior dos disparates e amanhã já tudo tenha sido esquecido.

Assim vão conseguindo, sempre os mesmos, manter-se na crista da onda, não obstante acumularem erros, causarem prejuízos de toda a ordem e afundarem o nosso país cada vez mais.

Porque a minha memória também já teve melhores dias, aqui fica a lembrança de mais este lamentável incidente, que em nada contribuiu para o prestígio da Justiça Portuguesa.

2006-05-10

Divagação sobre maternidades


Os programados encerramento da maternidade de Elvas e encaminhamento das parturientes dessa zona do Alentejo para Badajoz terá um efeito que, tanto quanto sei, ainda não foi avaliado.

Na hipótese de alguém querer apresentar queixa e/ou propor uma acção cível por negligência dos médicos ou outro pessoal do hospital de Badajoz, vai ter a sua vida muito complicada, pois a competência pertence à justiça espanhola.

Dirão os cínicos que isso até será bom, pois evita o recurso aos tribunais portugueses…

A sério, isto poderá gerar situações extremamente complicadas para as pessoas, muitas delas de modesta condição sócio-económica, que terão de recorrer a advogados espanhóis, de enfrentar barreiras linguísticas, de (eventualmente) pedir apoio judiciário em Espanha, etc.

Ou, já que se vai ficcionar que os bebés nascidos em Badajoz são naturais de Elvas, também se arranjará uma solução «à medida» (que nem imagino qual seja) para o referido problema?