2007-09-15

A previsão da impunidade

Ainda a propósito da libertação maciça de reclusos neste fim-de-semana, decorrente das alterações agora introduzidas na legislação penal, cito PEDRO SOARES MARTINEZ:
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"A previsão da impunidade
Poderá acontecer que, minados embora os alicerces morais e de civilidade do estado social, este se mantenha, por algum tempo, na base do receio das punições estaduais, que garantirão o tal mínimo ético, definido pelo poder. Desde que, pela sua dureza, ou pela solidez da rede preventiva estabelecida, as sanções legais sejam, efectivamente, temidas.
Não sendo assim, a previsão de que as infracções ficarão impunes começará por alargar a esfera da marginalidade, dentro de qualquer Estado. E, por autodefesa contra os marginais, ou por natural propensão dos homens para claudicarem, lesando o seu semelhante e renunciando ao próprio aperfeiçoamento, alastrará a convicção de que tudo é permitido. Porque não há Deus e porque, sem apoio numa ordem divina ou natural, o próprio Estado renuncia às suas funções, duvidando da legitimidade, do fundamento, para exercê-las. Também não haverá castigos humanos.
Essa convicção de que tudo é permitido passa. Até, mais que não seja, pelo instinto de conservação dos homens, que terá influenciado a construção de HOBBES. Mas não passa sem ter gerado profundas involuções no processo cultural dos povos, forçados a reencontrarem-se, no meio das maiores ruínas e misérias, dos corpos e dos espíritos".
(Filosofia do Direito, Almedina, 1991, páginas 556-557)