2007-09-03

Publicação de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo criminal - 3

Creio que alguns daqueles que se opõem à nova protecção legal do produto das escutas telefónicas nem sequer sabem bem daquilo que estão a falar. Isto é, nunca ouviram a gravação de uma conversa telefónica entre duas pessoas. Provavelmente, se tivessem ouvido, avaliariam o problema de forma diferente.
Cada um tem a sua própria sensibilidade, é claro. Falo por mim, que tenho ouvido muitas “escutas” por dever de ofício - ouvir a gravação de uma conversa privada é penoso, incomoda-me. Como já AQUI referi, raramente uma conversa “escutada” se resume àquilo que interessa ao processo. As pessoas falam daquilo que interessa ao processo e, logo na frase seguinte, falam de pormenores íntimos das suas vidas ou das vidas de terceiros. Ou falam de forma descontraída, utilizando por vezes o vernáculo, como só com os amigos por vezes se fala. Ou referem-se a terceiros de forma menos delicada. Por aquilo que dizem e pela forma como o dizem, expõem-se.
Ora, isto não deve sair do processo e, muito menos, ser escarrapachado num jornal ou divulgado numa televisão, sob pena de a privacidade das pessoas se tornar palavra vã.
NESTE POST, defendi que a própria publicidade da audiência de julgamento possa e, pelo menos em certos casos, deva ser excluída, para salvaguarda da honra e da privacidade das pessoas intervenientes nas conversas interceptadas e, mesmo, de terceiros.
Este entendimento não me surgiu em abstracto, mas numa audiência de julgamento em que, com a sala cheia de gente, estavam (ou melhor, começaram) a ser ouvidas - porque era indispensável para a defesa dos arguidos, para mais porque as escutas que tinham “chegado” à fase de julgamento haviam sido seleccionadas - gravações de escutas. Após a audição de meia dúzia de conversas e perante o teor da última destas, o compreensível incómodo dos arguidos que nela intervinham, que falavam muito mais sobre as “conquistas” de um deles junto do sexo oposto, identificando pelo menos uma das “conquistadas”, do que sobre tráfico de estupefacientes, que era aquilo que interessava, e o consequente divertimento de alguns dos espectadores, ficou patente que aquilo não podia continuar. Parou imediatamente a audição da gravação em causa e a audiência decorreu com exclusão da publicidade enquanto se “ouviram escutas”.
Ora, é isto que pretendem continuar a ver publicado nos “media” quando se trate de “pessoas públicas”? Conversas sobre a vida privada dos próprios intervenientes ou de terceiros, conversas seja sobre o que for no tom que só usamos - todos nós, penso eu - com os nossos amigos mais chegados? Não pode ser!
Por isso, concordo com o regime do n.º 4 do art. 88.º do CPP.