2025-03-27

Imigração e criminalidade – A importância da recolha e tratamento de dados


Conhecer a criminalidade impõe a recolha e o tratamento sistemático de dados. Entenda-se, de todos os dados relevantes para esse conhecimento. Desde logo, os dados relativos aos autores de crimes, nomeadamente a nacionalidade, a origem e a pertença a determinado grupo social. Sem isso, não será possível conhecer factos essenciais para compreender a criminalidade a actuar sobre ela. Recolher e tratar dados dessa natureza não é racismo, xenofobia ou algo parecido. É apenas querer saber, para melhor actuar. Tratando-se do Estado, é um dever. O Estado não pode ficar refém da «agenda woke» ou da sua antecessora «correcção política». O Estado tem de fazer o que for necessário para cumprir as suas funções essenciais, entre as quais avulta a de combater a criminalidade e manter a segurança nas ruas.

Existe, naturalmente, o perigo de utilização dos dados recolhidos e das conclusões que o seu tratamento proporciona para fins políticos. Desconheço se é possível estabelecer uma relação entre imigração e criminalidade, mas antevejo que, em qualquer hipótese, nenhum dos lados desperdiçaria a oportunidade para utilizar, contra o outro, tudo o que pudesse reforçar o seu argumentário. O que, aliás, é normal em democracia. Garantido que esteja o contraditório, não vejo que daí resultasse mal relevante.

Aquilo que não pode fazer-se, porque atenta contra o interesse público e constitui uma violação, pelo Estado, das suas obrigações para com os cidadãos, é deixar de recolher e de tratar dados relevantes sobre a criminalidade com a finalidade de evitar a sua utilização no debate político.

2025-03-25

Sentimentos


Foi hoje publicada, no Diário da República, a Resolução da Assembleia da República n.º 95/2025, que «Recomenda ao Governo a realização de um estudo sobre o sentimento de insegurança e vitimação».

Entretanto, foi ontem notícia que o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) relativo ao ano de 2024, ainda não publicado, revela um aumento significativo da criminalidade violenta (nomeadamente de violações e assaltos a bancos e a habitações) e da delinquência juvenil.

Talvez a leitura do RASI de 2024 constituísse um bom ponto de partida para o agora recomendado estudo sobre o «sentimento de insegurança». Às tantas, a população sente-se insegura porque (imagine-se!) tem razões objectivas para assim se sentir. Por muito que isso seja difícil de admitir pelos que nos trouxeram até ao ponto em que nos encontramos.

2025-02-15

No room for firewalls


Ontem, na Conferência de Segurança de Munique, o Vice-Presidente dos EUA, J. D. Vance, proferiu um discurso memorável. Foi o discurso certo, no local certo, dirigido aos alvos certos.

Começou por salientar que a maior ameaça à segurança da Europa não vem da Rússia, da China, ou de outro actor externo, mas de dentro de si própria, e traduz-se no retrocesso dos valores democráticos que nela se verifica.

Desenvolvendo esta ideia, J. D. Vance recordou, às elites políticas europeias, coisas elementares sobre o que é a democracia.

A saber:

Sem liberdade de expressão, não há democracia.  

Sem liberdade de imprensa, não há democracia.

Democracia não é compatível com a perseguição de cidadãos por delitos de opinião.

Democracia não é compatível com o cancelamento de eleições quando o resultado destas não agrada ao poder político instalado, como aconteceu recentemente na Roménia e um antigo comissário europeu ameaçou que poderá acontecer na Alemanha dentro de uma semana.

As elites políticas europeias não podem divorciar-se dos povos europeus, nem ter medo deles.

Não tem legitimidade democrática quem censura a opinião política divergente e põe os seus opositores na prisão, sejam estes o líder de outro partido, um cidadão que expressa a sua opinião ou um jornalista que pretende fazer o seu trabalho.

Democracia não é compatível com o cancelamento de partidos políticos, ou com «cordões sanitários» em torno de partidos políticos que recebem votos tão legítimos quanto os dos restantes.

A imigração em massa de pessoas não europeias, fomentada pelas elites políticas europeias sem legitimação popular, constitui uma ameaça aos povos da Europa.

Enfim, uma enorme pedrada no charco, a que deu gosto assistir.

A comunicação social sistémica diz que J. D. Vance veio à Europa para a atacar. Nada disso. Aquilo que senti foi um abraço de J. D. Vance aos povos europeus. O que deixou as elites políticas europeias furiosas.


2025-02-01

Imigração e criminalidade – Quem tem medo da verdade?


A razão do enorme incómodo que o tema da possibilidade de estabelecimento de uma relação entre a vaga de imigração que actualmente se verifica em vários países da Europa ocidental e o aumento da criminalidade provoca a algumas pessoas é, evidentemente, o seu melindre político. Se se concluísse que aquela relação existe, seria questionada, com argumentos acrescidos, a política que tem sido seguida em Portugal em matéria de imigração nos últimos anos. Na hipótese contrária, ruiria parte importante do argumentário de quem critica tal política, pugnando por uma outra, mais restritiva. Não há como fugir a isto.

Não obstante, o elefante permanece no meio da sala. Também não há como continuar a fazer de conta que ele lá não está.

O tema tem, pois, de ser abordado, mas no plano próprio: o da análise objectiva da realidade criminal actual em Portugal. Esta emergência convoca todos aqueles que possam dar um contributo válido para a discussão. Sem preconceitos, seja em que sentido for. Só pode adquirir conhecimento quem a tanto se dispõe. Para tanto, não pode iniciar o percurso com preconceitos. O pré-entendimento que cada um tenha terá de ceder perante factos que não o corroborem. E a disponibilidade para aceitar seja que conclusão for tem de ser total. Sem isto, não é possível um debate sério sobre o tema.

Quantos estariam dispostos a fazê-lo? A entrar no jogo de forma séria, predispondo-se a aceitar o resultado, qualquer que ele seja? Era isso que eu gostaria de saber.

Na arena política, aquilo que vejo, de um e outro lado, é gente entrincheirada e de armas apontadas ao inimigo. À mínima oportunidade, disparam. Afinal, dificilmente poderia ser de outra maneira. A política é o que é. Não é, seguramente, a sede própria para o debate que se impõe.

A academia seria, em princípio, o palco privilegiado para se investigar esta temática e debater desapaixonadamente os resultados dessa investigação. É também para isso que existem universidades. Mais, é essencialmente isso que distingue uma verdadeira universidade de uma simples escola. 

Interrogo-me, porém, sobre se a academia se encontra, hoje, em condições de o fazer. Concretamente, se o acolhimento de um estudo que concluísse que a vaga de imigração que, nos anos mais recentes, se abateu sobre Portugal, vem determinando um aumento da criminalidade, seria idêntico ao de um outro que chegasse à conclusão oposta. Duvido muito. Duvido mesmo muito.


2025-01-26

Valores de Portugal? Cultura de Portugal? Não sei o que é, nunca ouvi falar…


Ana Catarina Mendes, deputada do Partido Socialista no Parlamento Europeu, em entrevista à SIC-Notícias no dia 24.01.2025:

«Eu não sei o que é isto dos valores nacionais, dos valores de Portugal, da cultura de Portugal.

Eu sei o que é o artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa, que diz que os cidadãos estrangeiros têm os mesmos direitos e os mesmos deveres.

Eu sei o que é o respeito pelos direitos humanos, em que todos nós devemos ter.

Eu sei o que é o respeito por um Estado de Direito, onde a lei se aplica e é igual para todos, sejam nacionais, sejam estrangeiros.

Portanto, essa ideia de aculturação é uma ideia perigosa da direita.»

Não podia deixar de guardar esta pérola no Meu Monte, para memória futura.


2025-01-20

A «Reforma Penal Casa Pia» segundo o Director Nacional da Polícia Judiciária


Uma parte interessante desta intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária foi omitida pelos jornais. Transcrevo-a:

«Eu apanhei, como director, no início da minha carreira como dirigente, o «Código de Processo Penal Pós Casa Pia», 15 de Setembro de 2007, em que se levou à libertação de muita gente, e que, a partir daí, 2008, 2009, foram anos de grande actividade criminosa violenta.

Eu vou apenas dizer aqui os números, desde 2005:

2005: 15.000 crimes. 2006: 13.000-14.000. 2010: 24.500 crimes violentos. 2011: 24.000. Depois, começou a baixar, até que andamos agora na ordem dos 12, 13, 14.000.»

Como director de uma polícia, Luís Neves sabe bem do que fala. Escrevi, em devido tempo, acerca dos mais que previsíveis efeitos negativos da malfadada «Reforma Penal de 2007», também conhecida, por razões óbvias, por «Reforma Penal Casa Pia», (link 1, link 2, link 3, link 4, link 5). Não me enganei nessas previsões.


2025-01-18

A intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária


A intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, numa conferência ontem realizada, vem merecendo enorme destaque em todos os canais de televisão e jornais nacionais.

Transcrevo a notícia da LUSA:

O diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, afirmou esta sexta-feira que o sentimento de insegurança é gerado pelo aumento da desinformação e ameaças híbridas, salientando que os números de criminalidade violenta desmentem essa ideia.

Falando em Lisboa na conferência sobre os 160 anos do Diário de Notícias, subordinado ao tema "O Portugal que temos e o que queremos ter", Luís Neves criticou a imagem de que o país está numa situação "sem rei e sem roque" no que à segurança diz respeito, contestando a "polarização da discussão" em torno do tema, arrancando aplausos da plateia.

"Estamos a assistir a um momento de desinformação, 'fake news' e ameaças híbridas e é isso tudo que leva a fundamentar a perceção de insegurança", afirmou o dirigente, colocando também a responsabilidade nos media por esse sentimento.

"Temos hoje vários canais de televisão que passam uma e outra vez aquilo que é notícia de um crime", explicou, reconhecendo que isso vem "criar uma ideia de insegurança que não tem a ver com a insegurança plena do crime" existente do ponto de vista estatístico.

Luís Neves lembrou os "ataques aos ATM com explosivos" ou o "programa posto de abastecimento seguro", criado por causa dos assaltos existentes.

"Alguém se recorda dos anos 80 e 90 do consumo de heroína em que não havia família que não tivesse um familiar que tivesse sofrido?" Ou "Arroios e Intendente em que não se poderia lá entrar?" -- questionou o diretor da PJ, acrescentando ainda: "Querem comparar esses períodos com o período que hoje em que vivemos e dizer que hoje é que é mau?"

Luís Neves recordou números de 2009, quando se verificaram 888 ataques a carinhas de segurança e transportes de valores, bancos ou postos de combustíveis.

"Hoje não temos 4% desses ataques", disse.

Hoje, o motivo para a detenção - cumprimento de pena ou prisão preventiva - tem como crime mais comum o furto simples e qualificado, seguido da violência doméstica, explicou o dirigente da PJ, que também recusou a ideia de que os estrangeiros sejam responsáveis por níveis relevantes de criminalidade.

"Em 2009 tínhamos 631 estrangeiros" num universo de 400 mil imigrantes e no ano passado, perante mais de um milhão de estrangeiros residentes em Portugal, o "rácio de detidos é o segundo mais baixo" desde que há este tipo de contabilidade, explicou.

Sobre os estrangeiros e a criminalidade, Luís Neves distinguiu os casos que estão relacionados com "organizações criminosas transnacionais, cibercrime ou estupefacientes", bem como "criminalidade contra o património" que tem conexões internacionais.

"Não são imigrantes" os envolvidos nesses casos, explicou, salientando ainda que Portugal é porta de entrada da UE para quem vem da América Latina e África e as prisões portugueses refletem a presença de "mulas" de transporte de droga que, normalmente, "são pessoas pobres".

"Prendemos por ano [este tipo de casos] às dezenas e às vezes às centenas", explicou.

Olhando para os detidos em Portugal, Luís Neves salientou que, excluindo os oriundos de países europeus, africanos e latino-americanos – que estão relacionados com crimes que nada têm a ver com imigrantes –, os valores são muito baixos.

Nas prisões portuguesas há 120 pessoas de países asiáticos num universo de mais de 10 mil reclusos, explicou.

"Qualquer número de crime é um número preocupante e é um número que nos faz a todos pensar quais são os melhores modelos para mitigarmos" a criminalidade, em particular a criminalidade violenta, salientou ainda.

Confrontado por jornalistas, o diretor da PJ admitiu que é necessário controlar quem está cá: "os Estados de receção dos imigrantes têm o direito e, mais do que o direito, têm a obrigação de saber quem cá está, porque sabendo-se quem cá está, as políticas públicas de integração e todas as outras que são instrumentais ou adjacentes a essa integração ficam beneficiadas", bem como o "próprio imigrante".

Este tipo de pessoas "muitas vezes é vítima das garras dos traficantes de pessoas, dos tráficos de seres humanos, das organizações criminosas e da imigração ilegal", afirmou.

E com informação atualizada, essas redes "deixam de ter área para explorar estas pessoas", acrescentou.

O Director Nacional da Polícia Judiciária não é uma pessoa qualquer. Pela natureza da sua função, é uma das pessoas com acesso a mais e melhor informação acerca da criminalidade em Portugal. Certamente por isso, as suas declarações estão a ser divulgadas, não como mera opinião, mas como fonte da verdade sobre aquele tema e prova de que, quem afirma que Portugal enfrenta sérios problemas em matéria de criminalidade, ou tenta estabelecer alguma conexão entre esta e a actual vaga de imigração, está errado. Parece que nem sequer vale a pena voltar a falar de qualquer destes assuntos: a verdade foi dita e nada mais há a fazer que aceitá-la.

Não é assim. Algumas das afirmações atribuídas pela comunicação social ao Director Nacional da Polícia Judiciária são, no mínimo, discutíveis. Servirão de mote para algumas notas que aqui irei inserindo, à medida que, para tanto, tenha oportunidade. Hoje, fica apenas o registo do acontecimento.


Imigração e criminalidade


Para combater a criminalidade, nas suas múltiplas vertentes, todos os dados a ela referentes são preciosos, sem excepção. Não se pode combater aquilo que não se conhece. Quanto maior for esse conhecimento, mais eficaz poderá ser a acção. É assim com a criminalidade, como o é com a restante realidade. A ignorância nunca trouxe benefícios.

A este propósito, aqui lamentei, em 2007, 2008, 2011 e 2012 (link 1, link 2, link 3, link 4, link 5), a escassez de estudos sobre criminalidade em Portugal. Tal escassez persiste. E, o pouco que há, não tem a divulgação que merece, atenta a importância do tema.

Porém, não nos limitámos a não melhorar naquilo em que já estávamos mal. Num aspecto, piorámos deliberadamente ao longo dos últimos anos. Passámos do «não sei» para o «não sei, nem quero saber». Alguns, vão mesmo mais longe: não sabem, não querem saber, terão eventualmente raiva a quem sabe e, seguramente, têm muita raiva a quem quer saber.

Tenho, obviamente, em vista um dos «temas proibidos» pelos novos «polícias da palavra», herdeiros não assumidos dos cavalheiros do lápis azul do tempo do Estado Novo: se é possível estabelecer uma relação entre as vagas de imigração que têm assolado vários países da Europa ocidental nos anos mais recentes, nomeadamente Portugal, e a criminalidade.

Trata-se de uma temática importantíssima, que não pode ser varrida para debaixo do tapete, seja procurando silenciar quem a pretenda conhecer desatando imediatamente a chamar-lhe «xenófobo», «racista», «fascista», «extremista» e outros «projécteis verbais» que essa gente tem sempre na ponta da língua, pronta para disparar sobre quem com ela não faça coro, seja tentando «arrumar» sumariamente a questão com fundamentação tão «ao lado» que devia envergonhar quem a ela recorre. A questão coloca-se inexoravelmente. Não é possível continuar a ignorar o elefante no meio da sala.


2025-01-15

Azares


Há cerca de 15 dias, durante um debate que decorria na CNN Portugal, no preciso momento em que garantia, de forma enfática e repetitiva, que Portugal é um país sem problemas de segurança, Fabian Figueiredo, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, foi interrompido pela moderadora, para um «CNN Alerta». Tinha acabado de ocorrer este tiroteio.

Azar dos Távoras, pensei eu. Do ponto de vista de Fabian Figueiredo, foi a notícia mais inconveniente possível no momento mais inoportuno possível. Pior, não podia ser. Deve ter sido doloroso para quem acompanha a narrativa de que Portugal é um país sem problemas de criminalidade e foi, seguramente, cómico para quem, como eu, considera tal narrativa ridícula.

No domingo passado, novo azar.

Na véspera, realizara-se, em Lisboa, uma manifestação rotulada como sendo «contra o racismo e a xenofobia», mas que, na realidade, foi contra a «operação especial de prevenção criminal» realizada pela PSP na Rua do Benformoso no dia 19.12.2024 (link). Muito se gritou contra esta operação, contra a ideia de que existam particulares problemas de criminalidade nessa zona que a justifiquem, contra os métodos utilizados pela PSP, considerados como desproporcionais. E lá veio a recorrente acusação de que a actuação da PSP foi racista e xenófoba, por ter visado, especificamente e sem qualquer justificação, uma comunidade imigrante.

Menos de 24 horas depois dessa manifestação, na mesmíssima Rua do Benformoso, ocorreu um confronto entre dois grupos de imigrantes de origem asiática, no decurso do qual foram usadas armas brancas e barras de ferro. Sete feridos. Um desses imigrantes foi esfaqueado nas costas, outro nas pernas. Houve ainda dentes partidos e cortes na cabeça. Por aquilo que se vê em imagens divulgadas na internet, foi um pandemónio.

A alegadamente racista e xenófoba PSP interveio na sequência de pedido de socorro de alguns dos agredidos, tendo-se deslocado, em peso, para aquela rua, com vista a manter a segurança de pessoas e bens.

Mais uma dolorosa coincidência, aparentemente. Azar dos azares, nem 24 horas tinham decorrido sobre uma manifestação tão bonita, tão progressista, tão paz e amor, tão cravos vermelhos, as supostas vítimas da racista e xenófoba repressão policial engalfinharam-se em agressões mútuas, ao ponto de haver feridos graves, assim corroborando a necessidade e a proporcionalidade desta operação. Foi obra do diabo, só pode!

Só que não. Na realidade, estamos perante um aumento exponencial, nos últimos tempos, da probabilidade de cenas como as de Viseu ou da Rua do Benformoso ocorrerem. Aquilo que, há 20 ou 30 anos atrás, ocorria esporadicamente, ocorre hoje constantemente. Difícil é haver um dia sem uma ou mais ocorrências dessa natureza. Na zona do Martim Moniz, têm sido às dezenas nos últimos meses.

Pelo que coincidências como as duas que apontei não são mero fruto do azar. Tornaram-se, sim, muito mais prováveis. Demasiadamente prováveis. Portugal enfrenta, efectivamente, seríssimos problemas em matéria de criminalidade. A persistência da narrativa negacionista apenas adiará o início da resolução do problema e torná-la-á mais dolorosa. Tal narrativa será, com cada vez maior frequência, atropelada pela realidade. Foi o que aconteceu a Fabian Figueiredo e aos manifestantes do passado domingo.


2025-01-09

Espécies protegidas e espécies a abater


Um dos aspectos em que a auto-censura jornalística foi «incentivada» pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007 é, como aqui vimos, a nacionalidade dos suspeitos da prática de crimes.

Não se percebe porquê, sabido, como é, que, pelo que vou ouvindo a quem considera que o caos migratório que se vem verificando em Portugal nos anos mais recentes é benéfico para os portugueses, está demonstrado, por todos os estudos feitos sobre migrações por esse mundo fora, que a imigração, mais que não provocar um aumento da criminalidade nas áreas receptoras, até a diminui, devido ao desejo dos imigrantes de se integrarem o melhor e mais rapidamente possível. Se isto for realmente assim, qual é a razão do medo de ver divulgada a nacionalidade daqueles suspeitos?

Seja como for, certo é que canais de televisão e jornais acataram o «incentivo» à auto-censura feito pela referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007 e reforçado por actos mais discretamente praticados pelo poder político desde então. Paulatinamente, as notícias foram deixando de mencionar a nacionalidade dos suspeitos da prática de crimes.

Porém, com excepções.

Quando o suspeito tem nacionalidade portuguesa e a natureza ou as circunstâncias do crime possam, ainda que remotamente, sugerir que essa nacionalidade seja estrangeira, muitos jornalistas apressam-se a mencionar que o suspeito é português, sem mais. O que leva boa parte do público a deduzir que, quando isso não acontece, o suspeito é estrangeiro.

Por outro lado, a nova censura parece não abranger algumas nacionalidades estrangeiras. Quando o estrangeiro não pertence a uma das «espécies protegidas», é seguro que a sua nacionalidade será mencionada e, mesmo, realçada nas notícias.

Tivemos um exemplo disto no Verão passado:

- «Ex-militar espanhol tenta violar jovens em Portalegre. Vítimas foram atingidas a tiro durante fuga» (Correio da Manhã de 07.08.2024);

- «Os contornos (macabros) do crime em Castelo de Vide: jovens amarradas e baleadas por espanhol» (SIC Notícias, 07.08.2024);

- «Espanhol que tentou violar e matar duas jovens em Castelo de Vide fica em prisão preventiva» (CNN, 08.08.2024);

- «Espanhol preso por ataque em Castelo de Vide tem cadastro por duplo homicídio e violação» (Jornal de Notícias de 09.08.2024);

«Ex-militar espanhol que sequestrou duas jovens em Castelo de Vide fica em prisão preventiva» (Diário de Notícias de 09.08.2024).

Mais comedido, o Observador de 07.08.2024 não realçava a nacionalidade do suspeito no título da notícia, limitando-se a mencioná-la no corpo desta:

- «Castelo de Vide: suspeito de tentar matar e violar jovens fica em prisão preventiva.

O homem de nacionalidade espanhola suspeito da autoria dos disparos de caçadeira contra duas jovens, junto a uma barragem em Castelo de Vide, vai ficar a aguardar julgamento em prisão preventiva.»

Perante isto, não há dúvida de que, para muito do jornalismo que actualmente se faz em Portugal, há, em matéria de nacionalidade dos suspeitos da prática de crimes, «espécies protegidas» e «espécies a abater». Os pobres dos espanhóis fazem parte das segundas. Se as notícias a que correspondem os títulos acima transcritos induzirem comportamentos xenófobos, azar o deles.