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É altura de regressar à reforma da organização judiciária.
Olhemos, então, para o estudo do OPJP.
Nas páginas 54 e seguintes das «conclusões gerais e proposta de reforma», são propostos, em alternativa, «dois cenários de reorganização do mapa judiciário»: no primeiro, a nova matriz territorial seriam os actuais círculos judiciais; no segundo, essa nova matriz territorial seriam as NUT III.
Lendo o anexo ao «acordo político-parlamentar para a reforma da Justiça celebrado entre o PS e o PSD», na parte atinente à «revisão do mapa judiciário» (página 10), parece claro que será o segundo o modelo a adoptar.
O «cenário» que adopta as NUT III como nova matriz territorial sintetiza-se da seguinte forma:
1 - Criação, em cada NUT ou em NUT agregadas, de um tribunal ou de secções do tribunal-sede para o processamento da litigação de massa;
2 - Criação, em cada NUT ou em NUT agregadas, de tribunais ou secções especializadas do tribunal-sede para o tratamento dos conflitos de família e menores;
3 - Criação de tribunais de comércio e de tribunais de instrução criminal «por grandes áreas» – ou seja, agregando várias NUT – e de modo a cobrirem todo o país;
4 - Para a litigação restante, dois tipos de tribunais:
- Tribunais ou secções de tribunais para o tratamento das acções mais complexas ou de maior valor e da criminalidade grave, com exclusão da criminalidade complexa da competência do DCIAP – estes processos seriam sempre concentrados no tribunal-sede da NUT, podendo, em casos pontuais, incluir mais de uma NUT;
- Tribunais ou secções de tribunais para a outra litigação – estes processos poderiam estar concentrados numa ou várias secções do tribunal-sede ou em secções deste a um nível mais localizado (concelhos ou agregações de concelhos);
5 - As audiências de julgamento, ou outras que o justifiquem, de processos cuja tramitação seja concentrada no tribunal-sede (com exclusão dos previstos em 1) ou se concentre nos tribunais de competência especializada, devem ser realizadas a nível do concelho, de acordo com regras a definir, deslocando-se aí o tribunal;
6 - Criação, nos concelhos anteriores sedes de comarca e onde não fossem instaladas secções do tribunal-sede, de uma «unidade polivalente», que integraria um «balcão de atendimento», ligado em rede aos diferentes tribunais da NUT, «um espaço destinado a sala de audiências» e «um gabinete multiusos» onde fosse possível prestar informação e consulta jurídica, realizar atendimento ao público por parte do Ministério Público e efectuar perícias ou outras diligências;
7 - Criação, em cada NUT ou conjunto de NUT agregadas, de um centro de serviços jurídicos e de serviços auxiliares ao funcionamento da administração da justiça (medicina legal, assessorias técnicas, reinserção social, segurança social, etc.) e de um conselho de administração e gestão, que geriria os recursos humanos, materiais e financeiros de toda a NUT (e parece que, sendo o caso, do conjunto de NUT agregadas);
8 - Criação de um tribunal judicial para o julgamento da criminalidade complexa com jurisdição de âmbito nacional.
Este modelo tem aspectos que, tomados isoladamente, seriam extremamente positivos: uma firme opção pela especialização de tribunais, a concentração de alguns meios e a preocupação de articulação da administração da justiça com a de serviços auxiliares ao seu funcionamento.
Contudo, o mesmo modelo enferma de um vício fundamental – a aberrante ideia da «justiça itinerante».
Se a reforma da organização judiciária aceitar esta vertente do modelo proposto pelo OPJP e avançar no sentido dessa tal «justiça itinerante», não só se desbaratam todos os ganhos que adviriam dos aspectos positivos acima mencionados, como ficaremos com um sistema de justiça com custos de funcionamento (não confundir com os custos inerentes à implementação do sistema, de que falei em posts anteriores) muito mais elevados e resultados muito inferiores aos actuais.
Mais ainda, em alguns aspectos a ideia de «justiça itinerante», tal como é proposta pelo OPJP, não é apenas cara e geradora de ineficácia – é, de todo, impraticável.