Este triplo homicídio chocou, naturalmente, os portugueses. Mesmo num contexto, como
o actual, em que a criminalidade violenta se agrava de dia para dia no nosso
país, a brutalidade deste evento sobressai.
Não me pronuncio sobre este
caso concreto, por duas razões. Desde logo porque, acerca dele, apenas conheço
o que tem sido divulgado nos meios de comunicação social, ou seja, quase nada.
Depois, porque estou impedido (e bem), por dever de ofício, de me pronunciar
sobre processos judiciais que não me estejam atribuídos. E, mesmo em relação aos que o estejam, apenas posso fazê-lo (e bem também) em cumprimento dos meus
deveres funcionais e na sede própria, ou seja, no processo.
Pronunciar-me-ei, sim, a
propósito da referida situação concreta, sobre uma das questões jurídico-penais
que situações dessa natureza suscitam: a persistência do limite de 25 anos de
prisão na hipótese de cúmulo jurídico de várias penas (artigos 41.º, n.ºs 2 e
3, e 77.º, n.º 2, do Código Penal), coincidente com o limite máximo da moldura
penal aplicável a um único crime de homicídio qualificado (artigo 132.º, n.º 1,
do mesmo código).
Os artigos 41.º, n.ºs 2 e 3,
e 77.º, n.º 2, constituem, porventura, as normas mais irracionais, iníquas e
aberrantes do nosso Código Penal. Atento o seu papel estruturante do nosso
sistema punitivo, elas constituem, só por si, uma das razões fundamentais por
que aqui afirmei que o nosso sistema
jurídico-penal não é para levar a sério.
Graças a elas, quem matar
mais de uma pessoa numa mesma ocasião tem direito a bónus: o essencial da sua
punição será pela prática de apenas um dos crimes, que, se o homicídio for
qualificado, poderá esgotar imediatamente o «plafond»
dos 25 anos de prisão. Os restantes crimes pouco ou nada acrescentarão a essa
pena, pois, dos 25 anos de prisão, não pode, em caso algum, passar-se.
Portanto, cometido o
primeiro homicídio, o assassino pouco ou nada terá a perder se matar mais
pessoas. O que constituirá um forte incentivo para ele aproveitar a ocasião e
fazer o gosto ao dedo: mais homicídio, menos homicídio, pouca ou nenhuma
diferença fará. De uma pena de 25 anos de prisão (que nem por sombras equivale a 25 anos
de efectiva reclusão, diga-se) não passará.
Pior, o referido bónus da
impunidade dos homicídios subsequentes não abrange apenas aqueles que forem
cometidos na mesma ocasião. Por força dos artigos 41.º, n.ºs 2 e 3, e 77.º,
n.ºs 1 e 2, do Código Penal, o assassino poderá continuar a matar até ser preso
sem qualquer problema, pois todas as penas parcelares daí resultantes serão
englobadas no cúmulo jurídico de penas a efectuar, que não poderá exceder os
referidos 25 anos de prisão. Mate ele mais uma, dez, cem ou mil pessoas. O que,
além do mais, constitui um acrescido factor de risco para os elementos das
forças de segurança que tiverem de o enfrentar tendo em vista a sua captura.
Este regime é absurdo. Por
todas as razões e em toda a medida do possível, quem comete um crime, por mais
grave que seja, tem de sentir que ainda terá algo substancial a perder se
cometer mais crimes antes de ser condenado. Isso só se consegue se a lei
estabelecer uma diferença significativa entre o limite máximo da moldura penal
aplicável ao crime mais grave previsto na lei penal e o limite máximo da pena
de prisão na hipótese de o agente cometer mais de um crime.
Concretamente, sendo de 25
anos de prisão o limite máximo da moldura penal aplicável ao crime de homicídio
qualificado, o limite máximo da pena de prisão na hipótese de o agente cometer
mais de um crime não deveria ser inferior a 35 ou a 40 anos de prisão.
Isto, claro, enquanto não houver coragem para alterar a Constituição e, subsequentemente, o Código Penal, no sentido da consagração da pena de prisão perpétua, à semelhança de numerosos países que, embora com regimes democráticos e respeitadores dos direitos humanos, não confundem democracia com laxismo em matéria de combate ao crime e, em matéria de direitos humanos, demonstram mais respeito pelos das vítimas de crimes que Portugal.