Se há omissões plenas de significado,
são aquelas que se verificam perante situações de evidente emergência. Se quem
tem o dever de zelar pelo bom funcionamento de determinada realidade nada fizer
no sentido de resolver situações dessa natureza que nesta ocorram, estará a
demonstrar que não reconhece a sua existência ou, ao menos, a sua importância.
A menos que seja tão louco ou incompetente que, reconhecendo embora tais
existência e importância, confie que o problema se resolverá por si próprio. Ou
tão destituído de escrúpulos que, por ocupar o cargo que lhe impõe aquele dever
de zelo de forma meramente temporária, funde a sua inércia na expectativa de
que, quando a coisa estoirar, já estará noutras paragens.
Pois bem, há cerca de 50
anos que o poder político omite ostensivamente o seu dever de cuidar do sistema
prisional português, não obstante a magnitude dos problemas que este vem apresentando.
Como aqui
e aqui
afirmei, o poder político tem-se limitado a ir gerindo a crise, empurrando os
problemas com a barriga. Quando, por efeito dessa omissão das medidas que se
impõem, a pressão dentro do sistema é de tal ordem que o perigo de explosão se
torna iminente, o poder político inventa um pretexto para conceder uma amnistia
e um perdão de penas, assumidos ou encapotados. Uma vez aliviada a pressão por
meio destes expedientes, o poder político não volta a pensar no assunto até que a pressão volte a subir a níveis demasiadamente perigosos,
o que, em princípio, só ocorrerá dali a alguns anos, quando a batata quente já
estiver nas mãos de outros. Nunca o poder político conseguiu fazer melhor que
isto.
Esta omissão é inadmissível,
vergonhosa e imperdoável.
Se, diante de um incêndio,
um corpo de bombeiros, em vez de procurar extingui-lo, cruzasse os braços e
deixasse arder, seria crucificado. O mesmo aconteceria a um nadador-salvador
que, diante de um banhista em risco de afogamento, nada fizesse.
Já os políticos que, no
último meio século, deixaram os problemas do sistema prisional avolumar-se diante
dos seus olhos sem esboçarem qualquer tentativa séria e consistente de os
resolver e, muitas vezes, ainda se atrevendo a debitar discursos completamente
desfasados da realidade para tentarem esconder a sua incompetência e o seu
desleixo, como o de que a causa dos problemas do sistema prisional é os juízes
decretarem demasiadas prisões preventivas, proferirem demasiadas condenações em
penas de prisão efectiva e estenderem estas por tempo excessivo, nunca foram
chamados a responder (politicamente, claro) pelos seus erros e omissões. Seria
justo e, seguramente, pedagógico que o fossem, mas é claro que isso nunca irá
acontecer. Este tipo de escrutínio não faz parte dos nossos hábitos.
Da descrita omissão, que se
traduziu num verdadeiro «deixa arder»,
ou «deixa afogar», aquilo que
resulta, com toda a clareza, é uma absoluta incapacidade e falta de vontade
política para resolver os problemas do sistema prisional por parte de
quem governou o nosso país no último meio século. Trata-se, pois, de uma
omissão verdadeiramente eloquente.