2024-10-20

Eloquentes omissões


Se há omissões plenas de significado, são aquelas que se verificam perante situações de evidente emergência. Se quem tem o dever de zelar pelo bom funcionamento de determinada realidade nada fizer no sentido de resolver situações dessa natureza que nesta ocorram, estará a demonstrar que não reconhece a sua existência ou, ao menos, a sua importância. A menos que seja tão louco ou incompetente que, reconhecendo embora tais existência e importância, confie que o problema se resolverá por si próprio. Ou tão destituído de escrúpulos que, por ocupar o cargo que lhe impõe aquele dever de zelo de forma meramente temporária, funde a sua inércia na expectativa de que, quando a coisa estoirar, já estará noutras paragens.

Pois bem, há cerca de 50 anos que o poder político omite ostensivamente o seu dever de cuidar do sistema prisional português, não obstante a magnitude dos problemas que este vem apresentando. Como aqui e aqui afirmei, o poder político tem-se limitado a ir gerindo a crise, empurrando os problemas com a barriga. Quando, por efeito dessa omissão das medidas que se impõem, a pressão dentro do sistema é de tal ordem que o perigo de explosão se torna iminente, o poder político inventa um pretexto para conceder uma amnistia e um perdão de penas, assumidos ou encapotados. Uma vez aliviada a pressão por meio destes expedientes, o poder político não volta a pensar no assunto até que a pressão volte a subir a níveis demasiadamente perigosos, o que, em princípio, só ocorrerá dali a alguns anos, quando a batata quente já estiver nas mãos de outros. Nunca o poder político conseguiu fazer melhor que isto.

Esta omissão é inadmissível, vergonhosa e imperdoável.

Se, diante de um incêndio, um corpo de bombeiros, em vez de procurar extingui-lo, cruzasse os braços e deixasse arder, seria crucificado. O mesmo aconteceria a um nadador-salvador que, diante de um banhista em risco de afogamento, nada fizesse.

Já os políticos que, no último meio século, deixaram os problemas do sistema prisional avolumar-se diante dos seus olhos sem esboçarem qualquer tentativa séria e consistente de os resolver e, muitas vezes, ainda se atrevendo a debitar discursos completamente desfasados da realidade para tentarem esconder a sua incompetência e o seu desleixo, como o de que a causa dos problemas do sistema prisional é os juízes decretarem demasiadas prisões preventivas, proferirem demasiadas condenações em penas de prisão efectiva e estenderem estas por tempo excessivo, nunca foram chamados a responder (politicamente, claro) pelos seus erros e omissões. Seria justo e, seguramente, pedagógico que o fossem, mas é claro que isso nunca irá acontecer. Este tipo de escrutínio não faz parte dos nossos hábitos.

Da descrita omissão, que se traduziu num verdadeiro «deixa arder», ou «deixa afogar», aquilo que resulta, com toda a clareza, é uma absoluta incapacidade e falta de vontade política para resolver os problemas do sistema prisional por parte de quem governou o nosso país no último meio século. Trata-se, pois, de uma omissão verdadeiramente eloquente.