Há cerca de 15 dias, durante um debate
que decorria na CNN Portugal, no preciso momento em que garantia, de forma
enfática e repetitiva, que Portugal é um país sem problemas de segurança, Fabian
Figueiredo, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, foi interrompido pela
moderadora, para um «CNN Alerta».
Tinha acabado de ocorrer este tiroteio.
Azar dos Távoras, pensei eu.
Do ponto de vista de Fabian Figueiredo, foi a notícia mais inconveniente
possível no momento mais inoportuno possível. Pior, não podia ser. Deve ter
sido doloroso para quem acompanha a narrativa de que Portugal é um país sem
problemas de criminalidade e foi, seguramente, cómico para quem, como eu,
considera tal narrativa ridícula.
No domingo passado, novo
azar.
Na véspera, realizara-se, em
Lisboa, uma manifestação rotulada como sendo «contra o racismo e a xenofobia», mas que, na realidade, foi contra
a «operação especial de prevenção
criminal» realizada pela PSP na Rua do
Benformoso no dia 19.12.2024 (link). Muito se gritou contra esta operação,
contra a ideia de que existam particulares problemas de criminalidade nessa
zona que a justifiquem, contra os métodos utilizados pela PSP, considerados
como desproporcionais. E lá veio a recorrente acusação de que a actuação da PSP
foi racista e xenófoba, por ter visado, especificamente e sem qualquer
justificação, uma comunidade imigrante.
Menos de 24 horas depois dessa manifestação, na mesmíssima Rua do
Benformoso, ocorreu um confronto entre dois grupos de imigrantes de origem
asiática, no decurso do qual foram usadas armas brancas e barras de ferro. Sete
feridos. Um desses imigrantes foi esfaqueado nas costas, outro nas pernas. Houve ainda dentes
partidos e cortes na cabeça. Por aquilo que se vê em imagens divulgadas na
internet, foi um pandemónio.
A alegadamente racista e xenófoba PSP interveio na sequência de pedido de
socorro de alguns dos agredidos, tendo-se deslocado, em peso, para aquela rua, com
vista a manter a segurança de pessoas e bens.
Mais uma dolorosa coincidência, aparentemente. Azar dos azares, nem 24
horas tinham decorrido sobre uma manifestação tão bonita, tão progressista, tão
paz e amor, tão cravos vermelhos, as supostas vítimas da racista e xenófoba
repressão policial engalfinharam-se em agressões mútuas, ao ponto de haver
feridos graves, assim corroborando a necessidade e a proporcionalidade desta operação.
Foi obra do diabo, só pode!
Só que não. Na realidade, estamos perante um aumento exponencial, nos
últimos tempos, da probabilidade de cenas como as de Viseu ou da Rua do
Benformoso ocorrerem. Aquilo que, há 20 ou 30 anos atrás, ocorria
esporadicamente, ocorre hoje constantemente. Difícil é haver um dia sem uma ou
mais ocorrências dessa natureza. Na zona do Martim Moniz, têm sido às dezenas
nos últimos meses.
Pelo que coincidências como as duas que apontei não são mero fruto do
azar. Tornaram-se, sim, muito mais prováveis. Demasiadamente prováveis.
Portugal enfrenta, efectivamente, seríssimos problemas em matéria de
criminalidade. A persistência da narrativa negacionista apenas adiará o início da resolução
do problema e torná-la-á mais dolorosa. Tal narrativa será, com cada vez maior
frequência, atropelada pela realidade. Foi o que aconteceu a Fabian Figueiredo
e aos manifestantes do passado domingo.