2025-01-15

Azares


Há cerca de 15 dias, durante um debate que decorria na CNN Portugal, no preciso momento em que garantia, de forma enfática e repetitiva, que Portugal é um país sem problemas de segurança, Fabian Figueiredo, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, foi interrompido pela moderadora, para um «CNN Alerta». Tinha acabado de ocorrer este tiroteio.

Azar dos Távoras, pensei eu. Do ponto de vista de Fabian Figueiredo, foi a notícia mais inconveniente possível no momento mais inoportuno possível. Pior, não podia ser. Deve ter sido doloroso para quem acompanha a narrativa de que Portugal é um país sem problemas de criminalidade e foi, seguramente, cómico para quem, como eu, considera tal narrativa ridícula.

No domingo passado, novo azar.

Na véspera, realizara-se, em Lisboa, uma manifestação rotulada como sendo «contra o racismo e a xenofobia», mas que, na realidade, foi contra a «operação especial de prevenção criminal» realizada pela PSP na Rua do Benformoso no dia 19.12.2024 (link). Muito se gritou contra esta operação, contra a ideia de que existam particulares problemas de criminalidade nessa zona que a justifiquem, contra os métodos utilizados pela PSP, considerados como desproporcionais. E lá veio a recorrente acusação de que a actuação da PSP foi racista e xenófoba, por ter visado, especificamente e sem qualquer justificação, uma comunidade imigrante.

Menos de 24 horas depois dessa manifestação, na mesmíssima Rua do Benformoso, ocorreu um confronto entre dois grupos de imigrantes de origem asiática, no decurso do qual foram usadas armas brancas e barras de ferro. Sete feridos. Um desses imigrantes foi esfaqueado nas costas, outro nas pernas. Houve ainda dentes partidos e cortes na cabeça. Por aquilo que se vê em imagens divulgadas na internet, foi um pandemónio.

A alegadamente racista e xenófoba PSP interveio na sequência de pedido de socorro de alguns dos agredidos, tendo-se deslocado, em peso, para aquela rua, com vista a manter a segurança de pessoas e bens.

Mais uma dolorosa coincidência, aparentemente. Azar dos azares, nem 24 horas tinham decorrido sobre uma manifestação tão bonita, tão progressista, tão paz e amor, tão cravos vermelhos, as supostas vítimas da racista e xenófoba repressão policial engalfinharam-se em agressões mútuas, ao ponto de haver feridos graves, assim corroborando a necessidade e a proporcionalidade desta operação. Foi obra do diabo, só pode!

Só que não. Na realidade, estamos perante um aumento exponencial, nos últimos tempos, da probabilidade de cenas como as de Viseu ou da Rua do Benformoso ocorrerem. Aquilo que, há 20 ou 30 anos atrás, ocorria esporadicamente, ocorre hoje constantemente. Difícil é haver um dia sem uma ou mais ocorrências dessa natureza. Na zona do Martim Moniz, têm sido às dezenas nos últimos meses.

Pelo que coincidências como as duas que apontei não são mero fruto do azar. Tornaram-se, sim, muito mais prováveis. Demasiadamente prováveis. Portugal enfrenta, efectivamente, seríssimos problemas em matéria de criminalidade. A persistência da narrativa negacionista apenas adiará o início da resolução do problema e torná-la-á mais dolorosa. Tal narrativa será, com cada vez maior frequência, atropelada pela realidade. Foi o que aconteceu a Fabian Figueiredo e aos manifestantes do passado domingo.