Um dos aspectos em que a auto-censura
jornalística foi «incentivada» pela
Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007 é, como aqui vimos,
a nacionalidade dos suspeitos da prática de crimes.
Não se percebe porquê, sabido, como é,
que, pelo que vou ouvindo a quem considera que o caos migratório que se vem verificando
em Portugal nos anos mais recentes é benéfico para os portugueses, está
demonstrado, por todos os estudos feitos sobre migrações por esse mundo fora, que a imigração, mais que
não provocar um aumento da criminalidade nas áreas receptoras, até a diminui,
devido ao desejo dos imigrantes de se integrarem o melhor e mais rapidamente
possível. Se isto for realmente assim, qual é a razão do medo de ver divulgada
a nacionalidade daqueles suspeitos?
Seja como for, certo é que canais de
televisão e jornais acataram o «incentivo»
à auto-censura feito pela referida Resolução do Conselho de Ministros n.º
63-A/2007 e reforçado por actos mais discretamente praticados pelo poder
político desde então. Paulatinamente, as notícias foram deixando de mencionar a
nacionalidade dos suspeitos da prática de crimes.
Porém, com excepções.
Quando o suspeito tem nacionalidade
portuguesa e a natureza ou as circunstâncias do crime possam, ainda que
remotamente, sugerir que essa nacionalidade seja estrangeira, muitos
jornalistas apressam-se a mencionar que o suspeito é português, sem mais. O que
leva boa parte do público a deduzir que, quando isso não acontece, o suspeito é
estrangeiro.
Por outro lado, a nova censura parece
não abranger algumas nacionalidades estrangeiras. Quando o estrangeiro não
pertence a uma das «espécies protegidas»,
é seguro que a sua nacionalidade será mencionada e, mesmo, realçada nas
notícias.
Tivemos um exemplo disto no Verão
passado:
-
«Ex-militar espanhol tenta violar jovens em Portalegre. Vítimas foram atingidas
a tiro durante fuga»
(Correio da Manhã de 07.08.2024);
-
«Os contornos (macabros) do crime em Castelo de Vide: jovens amarradas e
baleadas por espanhol»
(SIC Notícias, 07.08.2024);
-
«Espanhol que tentou violar e matar duas jovens em Castelo de Vide fica em
prisão preventiva»
(CNN, 08.08.2024);
-
«Espanhol preso por ataque em Castelo de Vide tem cadastro por duplo homicídio
e violação» (Jornal de
Notícias de 09.08.2024);
«Ex-militar
espanhol que sequestrou duas jovens em Castelo de Vide fica em prisão
preventiva» (Diário de
Notícias de 09.08.2024).
Mais comedido, o Observador de
07.08.2024 não realçava a nacionalidade do suspeito no título da notícia,
limitando-se a mencioná-la no corpo desta:
-
«Castelo de Vide: suspeito de tentar matar e violar jovens fica em prisão
preventiva.
O
homem de nacionalidade espanhola suspeito da autoria dos disparos de caçadeira
contra duas jovens, junto a uma barragem em Castelo de Vide, vai ficar a
aguardar julgamento em prisão preventiva.»
Perante isto, não há dúvida de que, para
muito do jornalismo que actualmente se faz em Portugal, há, em matéria de
nacionalidade dos suspeitos da prática de crimes, «espécies protegidas» e «espécies
a abater». Os pobres dos espanhóis fazem parte das segundas. Se as notícias
a que correspondem os títulos acima transcritos induzirem comportamentos
xenófobos, azar o deles.