2025-01-06

Separar as águas


Eu sabia que a conversa mole da «ressocialização em vez de prisão», que aqui referi, havia de voltar um dia destes. Desta vez, foi pela boca do bispo de Setúbal, Américo Aguiar. Propõe este clérigo que a Assembleia da República aprove uma amnistia e/ou um perdão de penas durante o ano de 2025, para assinalar o jubileu da Igreja Católica. Com esse propósito, tem-se desdobrado em entrevistas a órgãos de comunicação social.

Em sede de argumentação, lá veio a invocação dos «percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um compromisso concreto de cumprir as leis», por contraposição à pura e simples execução das penas de prisão em que os reclusos foram condenados pela prática dos crimes que cometeram, certamente graves, pois, os que o não são, muito dificilmente levam os seus autores à prisão.

Perante os seríssimos problemas que Portugal enfrenta em matéria de criminalidade e a justíssima exigência de maior segurança por parte da generalidade da população, a última coisa de que precisamos é de mais uma amnistia e/ou perdão de penas. Para mais, quando nem um ano e meio passou desde a mais recente amnistia e perdão de penas, decretada por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08).

Em vez desta recorrente compaixão pelos autores de crimes graves que cumprem as suas penas, um pouco de empatia em relação às suas vítimas e de preocupação em relação às suas potenciais vítimas futuras ficariam muito bem a Américo Aguiar e a quem o acompanha nesta iniciativa. Comemorem o que tiverem de comemorar no plano eclesiástico, mas deixem a segurança pública e a justiça em paz.


2025-01-02

Negacionismos (2)


A polémica gerada pela recente «operação especial de prevenção criminal» realizada na zona do Largo de Martim Moniz vai de vento em popa.

De um lado, estão aqueles que consideram que Portugal está com problemas muito sérios em matéria de criminalidade e, coerentemente, afirmam que a operação realizada no Martim Moniz tem inteira justificação e que operações dessa natureza devem realizar-se com regularidade.

Do lado oposto, estão aqueles que consideram que Portugal é um país seguro, sem problemas em matéria de criminalidade, e que, também coerentemente, afirmam que operações como aquela que foi realizada no Martim Moniz carecem de justificação. Afirmam também que a operação realizada no Martim Moniz visou causar danos a determinada comunidade de imigrantes, mas trata-se de uma acusação tão ridícula, que a deixarei fora da equação.

No meio, estão aqueles que, considerando embora que Portugal é um país seguro em matéria de criminalidade, sustentam a necessidade da realização regular de operações policiais daquela natureza. A coerência deste posicionamento não é tão patente quanto a daqueles que acima foram descritos, mas não é difícil de fundamentar: estamos bem em matéria de criminalidade, mas, para assim continuarmos, devemos tomar medidas preventivas, sendo uma delas a realização de operações semelhantes àquela que teve lugar no Martim Moniz.

Para mim, é evidente que a razão está do lado dos primeiros. Portugal enfrenta problemas muito sérios em matéria de criminalidade, com tendência para piorarem muito rapidamente, nomeadamente com o surgimento, cada vez mais frequente, de situações de pontual descontrolo. Os motins ocorridos no passado mês de Outubro constituíram o mais recente alerta de que Portugal e, em particular, a sua capital, vivem sobre um verdadeiro barril de pólvora, pronto para explodir assim que surja uma fonte de ignição, como foi o caso da morte de Odair Moniz. Fazer de conta que está tudo bem em matéria de criminalidade constitui, por isso, um fenómeno de negacionismo, como aqui afirmei.

Curiosa é, no meio desta polémica, a acesa confrontação entre negacionistas. Todos jurando, a pés juntos, que Portugal é um dos países mais seguros do mundo em matéria de criminalidade, mas preconizando políticas diametralmente opostas. Como pano de fundo, uma realidade que diariamente desmente todos eles, como foi o caso do tiroteio há dias ocorrido em Viseu.


Relatório sobre o sistema prisional e tutelar


Artigo 299.º da Lei n.º 45-A/2024, de 31.12 (Orçamento do Estado para 2025):

(Actualização do relatório sobre o sistema prisional e tutelar)

1 - Até ao final do primeiro trimestre de 2025, o Governo actualiza o relatório sobre o sistema prisional e tutelar «Olhar para o futuro para guiar a acção presente — Uma estratégia plurianual de requalificação e modernização do sistema de execução de penas e medidas tutelares educativas», e faz um balanço da sua execução.

2 — O relatório referido no número anterior deve ser apresentado publicamente até ao final de Abril de 2025.