2005-11-20

Independência judicial mitigada?

Este post é da autoria do Dr. João Gomes de Sousa, Juiz do Círculo Judicial de Évora.
Qualquer estudante de direito sabe que para uma dada situação jurídica ou legislação a adoptar existem duas teorias. A A e a B. Em Portugal, em regra, escolhemos a terceira. Aquela a que chamamos “mitigada”, raras vezes por ser a mais correcta, regra geral por receio de soluções completas e adequadas que exigem coragem política, bem raro.
Vem isto a propósito de independência judicial.
A independência é um lindo conceito. Mas é também uma questão do dia a dia. E o nosso quotidiano demonstra-nos que o lindo conceito é frágil e está “mitigado”.
Convém não esquecer que pertencemos à família continental europeia, pátria dos princípios napoleónicos, prussianos, estalinistas, fascistas, pelo menos (sem esquecer o centralismo e a "raison d État" francesa que, pelo menos até há pouco tempo atrás, via os juízes de instrução criminal nomeados pelo ministro, caso a caso).
E que a nossa classe política (e intelectual também, incluindo jornalisas e comentadores) - na sua maioria - não foi formada em Oxford (são os modernos “afrancesados”). É tributária de centralismos vários e das várias utopias de sociedades conduzidas por aparelhos e elites "esclarecidas" que nunca gostaram de poderes independentes nem de teorias dos equilíbrios. Parafraseando o rei, o equilíbrio são eles.
Daí a suma importância de um órgão de gestão da magistratura transparente e bem constituído, quer em termos de equilíbrio político e institucional, quer em termos de qualidade dos seus membros para que as ditas independência e equilíbrio existam.
Mas deixemos a elevação dos grandes princípios e baixemos ao quotidiano.
Entendo porque o CSM não tem autonomia financeira e Orçamento próprio, aprovado pela Assembleia da República que permita ser este órgão a pagar aos juízes!
É o que ocorre em qualquer país civilizado (são poucos, é certo). Mas também ocorre com o nosso Trib. Constitucional! Coincidência? Talvez não!
Vontade política de manter os juízes sujeitos à tutela do Ministério da Justiça?
Vontade política de manter a dependência económica dos juízes relativamente ao governo?
Eu, pessoalmente, não tenho qualquer dúvida sobre as respostas e, hoje, identifico esta dependência do governo como um dos graves problemas da judicatura. Um arremedo da separação de poderes.
Acentua-se a dependência dos juízes, dando a imagem da sua funcionalização e permitindo-se que funcionários do MJ (alguns com um ódio patológico aos juízes) determinem a vida quotidiana dos juízes em vários aspectos económicos e funcionais.
Só não percebo porque razão os Prof. Catedráticos de Direito Constitucional nada dizem a este respeito. Acharão natural?
Se sim não têm legitimidade para se pronunciarem sobre o descontentamento dos juízes nem, sequer, para falar em separação de poderes.
E um orçamento próprio no CSM que permitisse a este órgão gerir, razoavelmente, os vencimentos dos juízes não teria evitado a crispação dos últimos meses?
Certo é que os Tribunais são o único órgão de soberania que não são, nesta sede, independentes e soberanos. Dependem do governo.
Ou será que a sanha anti judicial dos últimos meses não permitirá a comentadores avulso e juristas de mérito, com serenidade, constatar esta evidência?
E a maioria dos juízes? Acha natural o actual estado de coisas?