2005-11-04

E já agora...


Nós, juízes, também não estamos isentos de crítica.

A atitude passiva e distante que entre nós tem prevalecido constitui um profundo erro.

É certo que, devido à natureza das nossas funções, estamos sujeitos a um dever de reserva que nos impõe, além do mais, alguma contenção em termos de actos e palavras.

Apesar disso, devemos explicações aos cidadãos em cujo nome administramos a Justiça.

Temos o dever e, mesmo, o direito de lhes dar explicações sobre o que fazemos e as razões por que não fazemos melhor – tal qual os titulares dos restantes órgãos de soberania.

E se não fazemos melhor porque para tanto não nos são fornecidos meios materiais e humanos, porque muitas das leis que nos são dadas para aplicar são absurdas, porque a orgânica judiciária está desfasada do Portugal actual, não devemos fazer cerimónia em dizê-lo clara e publicamente. Todos e cada um de nós. Tantas vezes quantas as que forem necessárias.

Para que os cidadãos fiquem informados.

E para que o poder político se sinta pressionado, perante a opinião pública, a cumprir a sua obrigação de dotar a Justiça dos meios materiais, humanos e legislativos necessários para o seu bom funcionamento – já que, como a prática demonstra, não a cumpre espontaneamente e, em vez disso, prefere, frequentemente, lançar a culpa pelo resultado da sua incapacidade e/ou falta de vontade para cumprir o seu papel em relação à Justiça sobre os juízes.

Ao exigirmos os referidos meios, não o fazemos para nós, enquanto juízes, mas para os cidadãos e as empresas que recorrem à Justiça.

Se explicarmos as nossas razões com a elevação requerida pela dignidade da função que nos está atribuída, não violaremos o nosso dever de reserva, nem nos diminuiremos.

Ao contrário, ao fazê-lo, estaremos a barrar o caminho, até agora escancarado pelo nosso generalizado silêncio, a quem pretende desconsiderar-nos e (não só, mas também), por essa via, imolar a independência do exercício do poder judicial à conveniência do poder político – ou, porventura melhor, às conveniências dos vários poderes que se fazem sentir na vida política, ou às daquele ou daqueles que em cada momento aí forem prevalecentes.