Mais uma vez, está na ordem do dia o problema do segredo de justiça e das suas alegadas violações.
Os argumentos em confronto são conhecidos.
As recriminações por alegadas fugas também não são novas.
O Sr. Ministro da Justiça já veio dizer que está em preparação uma alteração legislativa nesta matéria.
Eu não vou meter-me na discussão.
Só quero deixar, aqui, uma observação, própria de quem conhece o sistema por dentro e, em consequência disso, está atento a pormenores aparentemente «pequeninos», mas que, na prática, podem ser importantes.
De forma muito simplificada, qualquer violação do segredo de justiça tem, na sua origem, uma de duas situações:
1.ª – Alguém que tem conhecimento lícito do processo divulga ilicitamente o seu conteúdo;
2.º - Alguém consegue ter acesso ilícito ao processo e divulga, também ilicitamente (como é óbvio), o seu conteúdo.
Ao contrário do que possa pensar-se, o acesso ao processo nos termos referidos em 2 está longe de ser difícil.
Dada a falta de condições de trabalho que se verifica em grande parte dos edifícios que constituem o parque judiciário português, é frequente haver processos amontoados nos locais mais inusitados, por falta de espaço: em cima de armários, nos parapeitos das janelas, no chão (subindo pelas paredes acima – o tecto é o limite), em cima de cadeiras, ou, nos casos mais graves, em corredores, casas de banho, compartimentos «inominados», etc.
Mesmo os processos que cabem nos armários não estão a salvo da curiosidade de estranhos: muitos dos armários não têm portas, ou as portas não têm fechadura.
Nestas condições, é facílimo, a um número excessivo de pessoas, ter acesso a qualquer processo – qualquer pessoa que trabalhe num tribunal, desde os magistrados às empregadas da limpeza, passando pelos funcionários judiciais e pelos porteiros, não terá qualquer dificuldade; se houver obras no tribunal, incluem-se nesse número quem as realiza, desde que trabalhe fora das horas de expediente daquele.
Portanto, também nesta matéria, não basta fazer leis, por muito boas que elas sejam.
Importa, também, criar condições materiais para que as coisas funcionem bem, nomeadamente para que os processos estejam a salvo de acessos ilícitos.
Se isso for feito, não só se diminuirá o número de fugas, como também se restringirá o leque de suspeitos da prática daquelas que se verificarem, o que, aliás, constituirá um forte desincentivo à prática de actos como os acima referidos sob o n.º 1.
Por outras palavras: alterem a lei, se nisso virem vantagem, mas não se esqueçam do «pequeno pormenor», obviamente sem qualquer interesse para a elevadíssima discussão em curso sobre o segredo de justiça, mas com bastante interesse prático na minha modesta perspectiva, da necessidade de melhorar as condições materiais de funcionamento da Justiça, nomeadamente de arranjar mais espaço nos tribunais e nos locais onde funcionem serviços do Ministério Público, bem como armários em número suficiente e com boas fechaduras.
Caso contrário, não há leis que nos valham, nem segredo de justiça que perdure.