2005-11-17

O contributo dos Juízes


Os juízes sempre apresentaram sugestões para que o sistema de Justiça funcione melhor. Trata-se de um facto indiscutível, como também o é o de que quem faz as leis por que o poder judicial se rege, ou seja, o poder político, ignora sistematicamente tais sugestões.

Legisla-se abundantemente, mas, muitas vezes, passando completamente ao lado dos reais problemas do sistema e criando novos problemas.

Isso poderia ser evitado se o legislador ouvisse quem está no terreno, nomeadamente os juízes.

Não temos, nem reivindicamos, um saber superior aos dos outros. Mas reconheça-se que o desempenho da nossa profissão nos proporciona uma experiência prática que não deveria ser desprezada no momento de legislar.

Também não temos, nem reivindicamos, legitimidade para fazer leis, a qual, como é óbvio, pertence, exclusivamente, ao poder legislativo.

Porém, o País só tem a ganhar se o legislador não for autista, isto é, se não partir do princípio de que é o exclusivo detentor da verdade e da virtude, catalogando todos os outros como meros representantes de interesses corporativos, e, em vez disso, antes de decidir, OIÇA quem pode dar contributos válidos para a resolução dos problemas.

Ao contrário daquilo que muitos têm afirmado no âmbito da campanha em curso no sentido de desacreditar o poder judicial e quem o exerce, os juízes não são um bando de malfeitores e irresponsáveis que apenas pretendem prosseguir interesses de classe.

Porque somos juízes, mas também porque somos cidadãos empenhados e responsáveis, aquilo que pretendemos é o bem comum, traduzido, no sector onde exercemos a nossa função, no bom funcionamento do sistema de Justiça.

Não tenho a ilusão de que, de um dia para o outro, o poder político irá mudar de atitude em relação às sugestões que fazemos.

Contudo, considero que isso não deverá fazer-nos desistir de apontar os reais problemas do sistema e as formas de resolução que consideramos adequadas.

Tal tarefa terá, pelo menos, a seguinte utilidade:

- Permitir que discutamos as questões entre nós (e quem mais pretender entrar na discussão, desde que de forma construtiva);

- Contribuir para a elevação do nível da discussão em torno dos problemas da Justiça: a abordagem concreta de cada um desses problemas sob uma perspectiva técnica é a melhor forma de desmascarar aqueles que, não saindo do plano das generalidades – refúgio tradicional dos ignorantes –, nos têm brindado, sobretudo nos últimos meses, com os mais incríveis disparates sobre este tema;

- Publicitar as soluções que nos parecem melhores;

- Afastar a falsa ideia – propalada por quem tem colaborado na acima referida campanha de intoxicação da opinião pública contra o poder judicial e quem o exerce – de que apenas pretendemos manter o sistema tal como ele é actualmente, como se um sistema que funciona mal nos trouxesse algum benefício, como juízes e como cidadãos;

- Deixar claro que muitas das medidas tomadas pelo legislador com o pretexto de resolverem os problemas da Justiça são profundamente erradas.

Se, para além de tudo isto, algumas das sugestões que fizermos encontrarem algum eco em futuras leis, óptimo. Tenho a certeza de que o sistema de Justiça só terá a ganhar com isso.