2005-10-31

Demagogia

Não tenho ilusões: neste momento, a maior parte da opinião pública tem uma imagem muito desfavorável acerca do desempenho profissional dos juízes.
Funda-se essa má imagem no deficiente funcionamento dos tribunais, que é indiscutível.
O raciocínio é simples: se os tribunais funcionam mal e quem lá trabalha são os juízes, são estes os culpados por tal mau funcionamento.
Quem está apostado em diminuir o poder judicial e quem o exerce, bate sistematicamente nesta tecla. A mensagem é simples, o raciocínio em que assenta é linear. Logo, é fácil de apreender pela generalidade das pessoas, passando muitíssimo bem para a opinião pública.
Raciocínio simples, linear, aparentemente irrefutável… mas profundamente errado.
Porque confunde o funcionamento dos tribunais com o desempenho profissional dos juízes.
Aliás, similar à confusão entre férias judiciais e férias dos juízes – também ela explorada, até à exaustão, por quem tem orquestrado a irresponsável e demagógica campanha que está em curso contra o poder judicial, ou nela colaborado.
Ressalvadas as devidas distâncias, imaginemos uma fábrica mal localizada, que funcione em instalações miseráveis, utilize matéria-prima de má qualidade, tecnologia ultrapassada ou, ainda que actual, mal concebida ou inadequada às necessidades, e mal organizada. Seria justo lançar as culpas pela inevitável falência sobre quem lá trabalha?
O que se tem passado nos tribunais, pelo menos nas duas últimas décadas (apercebi-me dessa triste realidade, primeiro como advogado, depois como juiz), é muito similar à referida hipotética fábrica: escassez de meios humanos e materiais face a necessidades crescentes, orgânica judiciária desfasada da realidade e, em alguns aspectos, absolutamente irracional, leis processuais absurdas, alterações legislativas constantes…
Nestas condições, atirar as culpas para cima dos juízes, em conformidade com o raciocínio que acima se esquematizou, é profundamente errado.
E manipular a opinião pública no sentido de a levar a raciocinar nesses termos é profundamente desonesto.