2005-10-15

Falso contributo para a interpretação do Decreto-Lei n.º 184/2000

Suscitou-se, aqui no MONTE, a propósito da questão da contingentação de processos, a da interpretação do Decreto-Lei n.º 184/2000, de 10.09.
Porque hoje é sábado, porque O MEU MONTE também é um local de recreio, porque estou cansado e farto de aplicar leis mal feitas, porque me apetece e porque o diploma em causa não merece mais, proponho-me dar um falso contributo para essa interpretação.
O mais falso possível.
Aqui vai ele.
De acordo com a letra do DL 184/2000, não há dúvida – é proibido marcar audiências de julgamento a uma distância temporal superior a 3 meses.
Porém, como as marcações a mais de 3 meses de distância não se deviam a capricho ou desleixo dos juízes, mas sim à sobrecarga das suas agendas, o DL 184/2000 nada resolveu e só complicou.
Surgiram, então, fundamentalmente, duas teses:
1.ª: Não se marca a mais de 3 meses e deixa-se os processos para cujos julgamentos não haja lugar na agenda em lista de espera;
2.ª: Marca-se a mais de 3 meses, apenas sendo vedada a notificação das pessoas que devam intervir na audiência de julgamento com uma dilação superior ao referido espaço temporal.
Em abono desta última tese, que se consubstanciava numa interpretação restritiva da lei, invocou-se o espírito desta.
Eu tenho muitas dúvidas de que, para a interpretação do DL 184/2000 – como para a de cada vez mais diplomas legais – possa invocar-se o cânone hermenêutico do espírito da lei, pois não acredito que o espírito haja tido alguma intervenção na sua feitura.
Quando muito, poderá falar-se no joelho da lei, em homenagem à parte do corpo sobre a qual, ao que tudo indica, ela foi feita.
Sendo assim, ficamos apenas com o elemento literal – a consideração do joelho da lei não permite ir além dele. Aquilo a que o DL 184/2000 obriga é o que resulta estritamente da sua letra: marcar audiências a não mais de 3 meses.
Ora, uma lei com este conteúdo é, face às circunstâncias em que pretende ser aplicada, inexequível. Tanto quanto uma lei que proibisse as pessoas de adoecer ou obrigasse os cães a miar.
Deixar audiências de julgamento em lista de espera também não me parece solução, pois apenas serve para tapar o sol com a peneira – se um tribunal, ou um juízo, estão de tal forma atafulhados em processos que precisam de marcar a 1, 2 ou 3 anos, ou mesmo mais, é bom que isso se saiba, até para que se tomem medidas de gestão capazes de resolver o problema.
Portanto, a solução é considerar que o DL 184/2000 não vigora na nossa Ordem Jurídica, em virtude de desuso.
Ficaram convencidos?
Eu também não.
Mas eu avisei: este contributo é, assumidamente, falso.