2005-10-18

Privilégios 4

Questão prévia:
Quando aqui falo acerca dos alegados privilégios que alguma gente por aí anda a propalar que os juízes têm e afirmo que nada disso corresponde à verdade, a última coisa que pretendo é transmitir a ideia de que somos uns «desgraçadinhos» que não têm os privilégios que merecem.
Longe disso!
Desgraçados são os idosos que têm de sobreviver com uma pensão de € 150 por mês, ou ainda menos, e, por força de leis, mais do que injustas, verdadeiramente desumanas, ainda têm de se dirigir ao Tribunal para, em acções em que têm de provar que viveram um união de facto com uma pessoa que faleceu (e de quem, por coincidência, muitas vezes tiveram vários filhos… – nem aí escapam ao ónus de terem de propor uma acção contra a Segurança Social para provarem que houve união de facto e não meros encontros fortuitos com fins exclusivamente procriativos), verem reconhecido o direito a receberem mais uns cêntimos…
Ou quem está desempregado.
Ou quem recebe o salário mínimo e tem de sustentar uma família.
Quem é juiz, lida de muito perto com a miséria alheia.
Mais perto, seguramente, do que o titular de qualquer outro órgão de soberania.
Sabemos muito bem o que ela é.
O meu único intuito resume-se na ideia, que penso que todos aceitam, de que, se não tenho o proveito, também não quero ficar com a fama.
Aquilo que tenho, chega-me.
Mas não inventem!
Posto isto, vamos ao assunto.

Um dos privilégios que muito comentador profissional (nos tristes tempos que correm, dizer mal dos Juízes vende muitíssimo bem, pouco importando se aquilo que se diz não passa de uma reles mentira…) nos atribui são as casas de função.
Dizem que somos uns privilegiados porque, não só recebemos o vencimento, como ainda temos direito a casa gratuita.
Eu nem sequer vou perder muito tempo a descrever o estado de degradação das casas de função que o Estado nos reserva.
Ninguém acreditaria!
Muitas delas estão, pura e simplesmente, inabitáveis.
Entrei numa em que não havia uma peça de mobília inteira. Uma única! Nem uma simples cadeira!
Entrei numa outra em que chovia abundantemente em dois sítios – na sala, junto à lareira, e em cima de uma cama… cujo colchão estava, obviamente, repleto de bolor, cujo cheiro nauseabundo se estendia a toda a casa!
Tinta? É coisa que as paredes da generalidade das casas de função não vêm há muitos anos.
Se atribuíssem muitas dessas casas a famílias carenciadas, a título de habitação social, elas teriam toda a razão em reclamar.
E chamariam, de certeza, os actuais verdadeiros justiceiros do meu País: as televisões. Havia de ser o bom e o bonito nos telejornais…
Deixo aqui uma sugestão.
Que um jornalista a sério, daqueles que, com coragem, competência e independência, ainda honram a sua profissão, faça uma reportagem sobre este tema.
Visite casas de função destinadas a Juízes (e, já agora, a Magistrados do Ministério Público), se estiverem desabitadas – é assim que aqueles as encontram quando lhes são atribuídas.
Mas apareça de surpresa, pedindo autorização no próprio dia da visita, para não dar tempo, ao Estado, para preparar um andar-modelo!
E visite todas as de cada comarca que estejam desabitadas, pois, se pedir para visitar só uma, mostram-lhe a menos má.
Depois, vamos ver quem está a dizer a verdade.