2005-10-17

O que falta ao Poder Judicial

A propósito de um dos posts anteriores, perguntou - muito legitimamente, como é óbvio - um cidadão, que assina como Daniel Tecelão, o que falta aos Tribunais para que estes funcionem bem.
Em resposta, o Juiz Luís Ribeiro escreveu o que abaixo transcrevo.
Porque a resposta é lapidar, coloco-a no local que ela merece: na frontaria do MEU MONTE (que é, aliás, também de todos os Colegas que aqui queiram participar).
«Tanta coisa, que até é difícil enumerar.
Exemplificando:
1 - Leis correctamente elaboradas - o que depende do poder político - de encontro às necessidades económicas, sociais e culturais do país;
2 - Estabilidade nas leis - o que depende do poder político - (e não sucessivas alterações das leis ainda recentemente entradas em vigor, com rectificações delas próprias, remendos e outras vicissitudes);
3 - Contingentação processual - o que depende do poder político - (na ordem dos 500 a 700 processos por Juiz e não, como se verifica, 2000, 3000, 4000 e por aí fora);
4 - Simplificação do Código Processo Penal e Código do Processo Civil - o que depende do poder político - no sentido da celeridade processual, a fim de se permitir decisões justas e rápidas;
5 - Acessores judiciais para cada um dos Juízes - o que depende do poder político - de forma a libertar-se os Juízes do trabalho volumoso que têm e que nada adianta em termos processuais (a essência do julgar consiste em proferir sentenças, actividade na qual os Magistrados somente ocupam cerca de 10 a 20% do seu tempo);
6 - Um parque informático em condições - o que depende do poder político - e não estas máquinas obsoletas, por exemplo, na qual neste momento escrevo;
7 - Reforma profunda do processo executivo - o que depende do poder político - e não esta vergonha actual que certamente já deve ter ouvido falar (quem beneficia com a mesma são os relapsos, os devedores, etc.);
8 - Tribunais com dignidade - o que depende do poder político -, já experimentou ir a vários tribunais do interior do país e verificar o estado das instalações!?
9 - Reforma dos recursos - o que depende do poder político - de forma a incrementar maior celeridade processual;
10 - Funcionário privativo por cada Juiz - o que depende do poder político - de forma, por exemplo, a copiar os factos provados que devem ficar a constar das sentenças (sabia que os Magistrados Judiciais passam horas e horas a passar os factos provados para as sentenças num trabalho que se equipara a verdadeiros copistas da idade média!?);
11 - Simplificação das sentenças - o que depende do poder político -, por exemplo, num fim de um julgamento, dizia-se qual era a pena a aplicar ao arguido, se ele concordasse, a sentença limitava-se à sua identificação - do arguido -, dos factos provados por remissão para a acusação, referência ao crime que cometeu e pena que lhe é aplicada; ao contrário disso, independentemente de o arguido concordar ou não, as sentenças têm sempre o mesmo figurino, ou seja, relatório, cópia dos factos provados, subsunção dos factos ao direito e decisão, o que é deveras mais complicado e ocupa muito mais horas ao Magistrado, horas essas que podiam ser ocupadas com outros julgamentos e sentenças;
12 - Equipamento condigno nos tribunais - o que depende do poder político - (sabia, por exemplo, que as videoconferências inúmeras vezes não se consegue estabelecer o contacto, quando se consegue não se ouve bem, ou não se vê bem a pessoa que está do outro lado); se não é possível estabelecer a ligação, perde-se tempo, é necessário convocar novamente a testemunha, etc.;
13 - Mais funcionários judiciais - o que depende do poder político -, estes, estão em verdadeira ruptura (sabia por exemplo que há tribunais em que cartas precatórias para penhora demoram dois anos a ser cumpridas por falta de funcionários) - quem fica a rir-se é o devedor que durante esses dois anos tem a possibilidade de dissipar os seus bens;
14 - Autonomia financeira do Conselho Superior da Magistratura, o que é reclamado há muitos anos - o que depende do poder político - (de forma a obviar-se a que o órgão de soberania Tribunal, quando necessite de um cabo de alimentação para um computador, uma cadeira, uma secretária, um computador, etc. não tenha que se dirigir por ofício ao poder executivo, ofícios que, inúmeras vezes demoram muito tempo a ser respondidos, quase sempre com a mesma resposta, ou seja, há falta de verbas);
15 - Manutenção das férias judiciais (não confundir com as férias dos Juízes, pois estas são iguais à da restante função pública, ou mesmo pior, uma vez que não podem escolher o mês em que querem passar férias com a sua família) - o que depende do poder político - no estado em que se encontravam de forma a possibilitar aos Magistrados em, pelo menos um mês das chamadas férias judiciais, dedicarem-se aos casos mais difíceis e que implicam um prolongado estudo que não é possível fazer durante o ritmo normal de trabalho com o volume de expediente e Julgamentos a que os Magistrados são sujeitos.
Muita coisa ainda haveria para dizer.
Mas, por ora, para amostra já chega.
Como vê muito pouco depende de nós e quase tudo depende do poder político...»
Subscrevo integralmente e sem reservas!