2007-11-27

Criminalidade violenta aumenta em Portugal


A criminalidade violenta tem aumentado em Portugal a um ritmo muito superior à média europeia, segundo o EUROSTAT - Link.

Os números agora divulgados são particularmente expressivos porque se reportam a um período alargado (1995 a 2005).

Quando irá o Estado Português começar a encarar este problema com a seriedade que ele merece, em vez de continuar a enfiar a cabeça na areia e a esvaziar prisões a todo o custo apenas para reduzir despesas?

2007-11-11

Ainda o art. 215.º, n.º 2, alínea a), do CPP


Devo ser eu que estou a ver mal o problema. O defeito é meu, de certeza. Ainda assim, vou partilhar a minha dúvida com quem ler este post. Se os eventuais leitores acharem que eu estou errado, peço o favor de mo dizerem (vsss1@sapo.pt).

A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não alterou a alínea a) do n.º 2 do art. 215.º (cfr. a página 5857 do Diário da República).

Veio depois a Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, de 26 de Outubro. Na parte rectificativa da Lei n.º 48/2007, esta declaração não tocou na alínea a) do n.º 2 do art. 215.º (cfr. a página 7890-(17) do Diário da República). O mesmo é dizer que, neste ponto, a Lei n.º 48/2007 não foi alterada – manteve a alínea a) do n.º 2 do art. 215.º intocada.

Na passada 6.ª Feira, foi publicada a Declaração de Rectificação n.º 105/2007, que voltou a manter inalterada a Lei n.º 48/2007 no que toca ao art. 215.º do CPP. Concretamente, continua a resultar da Lei n.º 48/2007 que a alínea a) do n.º 2 do CPP não sofre alteração (cfr. a página 8249 do Diário da República).

O resultado de tudo isto deveria ser apenas um: A alínea a) do n.º 2 do art. 215.º manter a redacção que tinha antes da Lei n.º 48/2007.

Certo?

Errado!

Pelo menos, para o legislador.

Na versão original da Lei n.º 48/2007, a republicação do CPP anexa mantém (e bem, nesta perspectiva), a redacção anterior da alínea a) do n.º 2 do art. 215.º. O problema era este. O legislador devia ter alterado o preceito em causa para que o mesmo ficasse conforme com a lei penal.

Na Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, o legislador fez apenas o seguinte: Para obter o resultado que pretendia, que era a alteração da alínea a) do n.º 2 do art. 215.º do CPP, em vez de rectificar a parte da Lei n.º 48/2007 que continha as alterações ao CPP, saltou por cima dessa parte (ou melhor, esqueceu-se dela) e introduziu a alteração directamente na republicação do CPP anexa.

Na Declaração de Rectificação n.º 105/2007, o legislador caiu exactamente no mesmo erro: Deixou novamente intocada a parte da Lei n.º 48/2007 que continha as alterações ao CPP e introduziu a alteração directamente na republicação do CPP anexa.

Ora, parece-me que isto não pode ser assim. O teor da republicação de um diploma legal tem de ser um mero reflexo das alterações introduzidas pela lei nova.

Ficamos, assim, com um novo problema: De acordo com a lei inovatória, duas vezes rectificada mas neste aspecto sempre intocada, a alínea a) do n.º 2 do art. 215.º não sofreu qualquer alteração, mantendo-se a redacção que vigorava antes da Lei n.º 48/2007; todavia, o texto do preceito que consta da republicação é diferente desse e totalmente novo.

Pergunto: Qual é o valor jurídico da redacção da alínea a) do n.º 2 do art. 215.º do CPP constante da republicação anexa à Declaração de Rectificação n.º 105/2007?

Respondo: Nenhum, salvo melhor opinião.

2007-11-09

Rectificação da rectificação...


... da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procedeu à 15.ª alteração do Código de Processo Penal:

Declaração de Rectificação n.º 105/2007 (link)

A parte inicial desta declaração de rectificação merece destaque:

«Para os devidos efeitos se declara que a Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, de 26 de Outubro, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 207, suplemento, de 26 de Outubro de 2007, que rectifica a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, «15.ª alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro», publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 29 de Agosto de 2007, saiu com inexactidões decorrentes do processo de publicação electrónica, que se rectificam mediante a seguinte republicação integral da declaração de rectificação, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e do respectivo anexo com a republicação do Código de Processo Penal:»

Utilizei a palavra "bagunça" neste post. Peço desculpa pelo exagero. É óbvio que não há qualquer bagunça....

2007-11-03

O PREC e o PACTO


No meio da bagunça em que se transformou a «Reforma Penal», tem interesse reler o «Pacto para a Justiça», para vermos quão longe estamos dos objectivos que o mesmo se propôs.

Transcrevo a parte pertinente desse «Pacto» (os realces são da minha autoria):

«O êxito da reforma da justiça é fundamental para o desenvolvimento do País. Para se poder concretizar esse objectivo é importante que as leis que a Assembleia da República venha a aprovar neste domínio disponham de um apoio mais amplo do que uma maioria de governo, e muito em especial do principal partido da oposição. Será assim possível assegurar a desejável estabilidade de opções legislativas de efeitos estruturantes, cujos resultados só se consolidam para lá do âmbito duma legislatura.

Neste quadro, com vista a assegurar um contributo eficaz da acção legislativa para o desenvolvimento da reforma da justiça, os signatários celebram o seguinte acordo: (...)»

Qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência.

O PREC (Processo Reformista Em Curso)

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Quem pensava que o processo de reforma do Código de Processo Penal se tinha encerrado com a precipitada publicação da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que introduziu numerosas alterações àquele código e entrou em vigor escassos 17 dias depois, enganou-se.

A primeira rectificação já saiu e, atenta a sua desastrosa qualidade técnica, seguir-se-ão, muito provavelmente, outras rectificações. Pelo menos mais uma é inevitável.

Ou seja, não estamos propriamente perante uma reforma do Código de Processo Penal, mas sim em pleno PREC (Processo Reformista Em Curso).

Instabilidade, incerteza, indefinição, são as consequências inevitáveis deste PREC.

E são a última coisa de que o nosso sistema de justiça estava a precisar.

2007-11-01

INCRÍVEL!


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Faça-se justiça à «grande reforma penal»: independentemente das várias rectificações e rectificações de rectificações que provavelmente se seguirão, ela tem, desde já, um lugar reservado na História do Direito Português. Nunca se tinha visto algo assim.

2007-10-28

Alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal

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COSTA ANDRADE: As reformas do Código Penal e do Código de Processo Penal têm «soluções arrepiantes» do ponto de vista constitucional - LINK


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Rectificação do CPP - art. 215.º, n.º 2


Afinal, não era impressão minha (link).

O legislador esqueceu-se mesmo daquilo que foi revogado há quatro anos.

Veio agora a rectificação, que se transcreve:

«Na alínea a) do n.º 2 do artigo 215.º (da republicação), onde se lê "Previsto no artigo 299.º, no n.º 1 do artigo 312.º, n.º 2 do artigo 315.º, n.º 1 do artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º, 331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal;" deve ler-se "Previsto no artigo 299.º, no n.º 1 do artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º, 331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal e nos artigos 30.º, 79.º e 80.º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro (uma vez que os artigos 312.º e 315.º do Código Penal foram revogados pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro, que os substituiu pelos indicados artigos 30.º, 79.º e 80.º)".»



2007-10-20

Onde estão os trabalhos preparatórios da "Reforma Penal"?


A recente reforma do Código Penal e do Código de Processo Penal parece ter, entre outras peculiaridades, a da opacidade.

Aparentemente a partir do nada, surgiram alterações de última hora, filhas de pai e mãe incógnitos e que, agora, ninguém quer perfilhar.

Qualquer reforma legislativa profunda, como esta pretendeu ser, tem trabalhos preparatórios acessíveis aos cidadãos, em especial à comunidade jurídica. Até durante o tempo da ditadura foi assim.

Ora, onde estão os registos dos trabalhos preparatórios desta reforma? Quer ao nível da UMRP, quer ao da discussão dos projectos na especialidade, na Assembleia da República?

Os cidadãos têm o direito de saber quem propôs o quê, quem concordou e discordou de cada proposta, quem votou a favor e contra.

É, pois, urgente a publicação dos trabalhos preparatórios.

A bem da transparência do processo legislativo e da própria credibilidade do Estado de Direito Democrático.

2007-10-14

Responsabilidade criminal das pessoas colectivas


Os bons textos não podem cair no esquecimento.

Aqui fica a reprodução de um artigo de opinião publicado no semanário EXPRESSO de 29 de Setembro de 2007, da autoria de TERESA SERRA, sobre o tema da responsabilidade criminal das pessoas colectivas.

«Desde 15 de Setembro, passou a estar prevista no Código Penal a responsabilidade criminal de pessoas colectivas relativamente a certos tipos de crimes. Assim, pela prática de certos crimes, ao contrário do que acontecia até agora, as pessoas colectivas, em especial as empresas, rectius, algumas pessoas colectivas e empresas!, poderão ser responsabilizadas criminalmente, nos termos do novo artigo 11.º.

Em causa, estão designadamente crimes de maus tratos, tráfico de pessoas, contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, falsificação, crimes ambientais, associação criminosa, tráfico de influência, suborno, favorecimento pessoal, branqueamento ou corrupção (artigo 11.º, n.º 2). De fora deste lote, ficam o homicídio negligente, sinal de que não se pretendeu enfrentar a sinistralidade estradal, laboral, ou relativa à saúde, e a burla, um dos crimes mais cometidos no âmbito das empresas.

Surpreendentemente, a responsabilidade pela prática destes crimes está apenas prevista para pessoas colectivas e empresas... privadas! E nem todas! Numa solução que não encontra paralelo em qualquer ordem jurídica do nosso universo, são excluídas da responsabilidade criminal, além do Estado, outras pessoas colectivas públicas e organizações internacionais de direito público (art. 11.º, n.º 2). O legislador foi específico: para efeitos da lei penal a expressão pessoas colectivas públicas abrange: a) Pessoas colectivas de direito público, nas quais se incluem as entidades públicas empresariais; b) Entidades concessionárias de serviços públicos, independentemente da sua titularidade; c) Demais pessoas colectivas que exerçam prerrogativas de poder público.

Até agora, os crimes previstos no Código Penal só podiam ser cometidos por pessoas singulares, de carne e osso. Pelo contrário, em diversas leis avulsas, relativas à criminalidade económica, fiscal e informática, foi prevista, paulatinamente, a partir de meados da década de 80, a responsabilidade criminal de quaisquer entidades colectivas públicas ou privadas, incluindo o Estado. O que significa ainda que o novo artigo 11.º do Código Penal vem introduzir uma dualidade de critérios que nada justifica.

Num país em que o poder do Estado e do sector público tem um peso que é de todos conhecido, a solução agora vertida no artigo 11.º do Código Penal tem o condão de excluir da responsabilidade criminal milhares de pessoas colectivas públicas e de empresas públicas e privadas, estas últimas na medida em que sejam concessionárias de serviços públicos ou recebam prerrogativas de poder público.

Esta solução coloca evidentes problemas no plano da concorrência. Sabendo-se que, em termos económicos, é, por exemplo, mais rentável a violação dos deveres e normas ambientais, uma isenção total de responsabilidade criminal origina uma importante vantagem competitiva para quem dela beneficia. O que, em última análise, pode resultar em violação flagrante de princípios constitucionais.

A Holanda foi, na Europa continental, o primeiro país a introduzir a responsabilidade criminal de pessoas colectivas no Código Penal. Fê-lo, em 1976, de uma forma muito ampla: os crimes podem ser cometidos por pessoas singulares e por pessoas colectivas, incluindo o Estado.

Em 1987, há vinte anos portanto, um hospital foi condenado por homicídio negligente depois de um paciente ter morrido durante uma operação em virtude da utilização de equipamento de anestesia ultrapassado, numa decisão que constituiu o primeiro caso de condenação de uma pessoa colectiva por homicídio na Holanda. Não se discutiu se o hospital era público ou privado, dada a sua irrelevância face ao Código Penal holandês. Em Portugal também isso não se discutiria ainda hoje: o nosso Código Penal agora alterado continua a não prever a responsabilidade criminal de pessoas colectivas pelo cometimento de um crime de homicídio negligente! A nossa distância relativamente aos outros também se mede pela legislação que produzimos...»

2007-10-13

Seringas nas prisões


A pretexto de que em Portugal existem muitos reclusos com doenças infecto-contagiosas, especialmente de VIH/sida e hepatites, e depois de grandes hesitações, a AR aprovou no início deste ano a Lei 3/2007, permitindo a troca de seringas para injecção de substâncias estupefacientes em meio prisional.

Os ministros da Justiça e da Saúde acabam de assinar a regulamentação do Programa Específico de Troca de Seringas, a título experimental e por 12 meses, nos estabelecimentos prisionais de Lisboa e Paços de Ferreira. Destina-se aos consumidores por via endovenosa.

Teremos assim, para já, em duas cadeias portuguesas, o Estado a distribuir seringas limpas para os reclusos se injectarem com drogas ‘sujas’. Num local em que era suposto não circular droga, nomeadamente entre os condenados pelo crime de tráfico/consumo, parte-se do facto consumado de que circula e incita-se ao consumo limpo. Isto apesar de existirem serviços clínicos específicos e gratuitos, tal como previsto na Lei n.º 109/99, e de ser possível o tratamento de substituição através da metadona ou substância equivalente.

Repare-se na hipocrisia da situação descrita naquele despacho: “A posse, tráfico e consumo de substâncias estupefacientes e psicotrópicos não prescritos por ordem médica constituem actos ilícitos”; porém, a utilização do material de injecção, que o Estado fornece, os produtos e o consumo são da “exclusiva responsabilidade do recluso”.

Exemplificando: ainda que condenado por tráfico/consumo, o Estado, em regime de confidencialidade, vai fornecer seringas limpas para o recluso se injectar com droga de cuja origem na cadeia não se quer saber.

No estudo de uma comissão canadiana – porventura, na base das propostas da comissão portuguesa – coloca-se o acento exclusivamente no direito à saúde de que os reclusos devem desfrutar. Esquece-se, todavia, que consumir certas drogas não é um direito de cujo exercício se responsabilize a comunidade.

No Mundo, apenas seis países – Suíça, Alemanha, Espanha, Moldávia, Quirguistão e Bielorrússia – adoptaram tais programas. No momento, a Alemanha começou a proibi-los, quiçá por compreender estarem em causa não apenas questões sanitárias, mas outras que têm a ver com a coerência de actuação e a finalidade da política antidroga.

Como se reconhece naquele estudo, para que tal medida se implante é necessário que haja o apoio da liderança dos escalões superiores. É o que sucede entre nós com a vontade dos ministros envolvidos, do director-geral dos prisionais e também do presidente do IDT. Falta experimentar as salas de chuto. Lá iremos.

Porquê estes modernismos precipitados, em detrimento de outras medidas bem melhores para os toxicodependentes reclusos?

Lourenço Martins, Juiz Conselheiro do STJ (Jubilado)

Fonte: Correio da Manhã de 11.10.2007


Posts sobre este tema:

- Seringas nas prisões e autoridade do Estado - link;

- Troca de seringas e segurança das prisões - link;

- Fornecimento de seringas nas prisões e reinserção social - link;

- Tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional - link;

- Fornecimento de seringas nas prisões e liberdade condicional - link.

2007-10-08

Alterações ao Código de Processo Penal


DIZ QUE É UMA ESPÉCIE DE REFORMA PENAL...

Correio da Manhã – Concorda que a lei liberte agressores em flagrante delito e um homicida que se apresente à polícia voluntariamente?

Plácido Conde Fernandes (Vogal do Conselho Superior do Ministério Público) – Com algumas precisões, esta é a nova realidade. Dizia ontem o prof. Costa Andrade no CM serem anedóticos alguns aspectos dos prazos para a entrada em vigor. Passado o ‘terramoto’ da libertação de muitos presos preventivos a cumprir penas pesadas preocupam-me mais as ‘réplicas’ que estão para vir.

– Este é um desses casos?

– Sim, porque sempre que os tribunais estejam fechados esta reforma falha e “diz que é uma espécie” de equilíbrio entre os direitos das vítimas e dos arguidos. Os aspectos anedóticos são mais trágicos do que cómicos.

– Como assim?

– Uma patrulha da PSP presencia uma violenta agressão do marido à mulher e afasta-o. A mulher pergunta aos agentes: “O crime admite prisão preventiva? Sim. Afastamento do agressor? Sim. Proibição de contactos comigo? Também. Neste caso, em que o perigo é que as agressões continuem? Sim. É o juiz de instrução que aplica estas medidas. E agora vão detê-lo? Sim, mas não fica detido por não termos suspeitas que fuja. Temos que o libertar. Então, como pode a polícia apresentá-lo ao juiz? Não pode. Que vão fazer? Notificamo-lo para ir a tribunal no próximo dia útil. Talvez o Ministério Público possa emitir uns mandados de detenção? Não pode. Ou talvez o juiz possa mandar detê-lo? Também não pode. E se faltar? Logo se vê. O crime não admite até prisão preventiva? Admite. Mas a polícia não pode levar o agressor ao juiz? Não pode. Libertá-lo é perigoso para a vítima? É. Mas não pode ser mantido detido? Não pode.” Podia continuar.

– Como é possível não terem acautelado estas situações?

– Ter-se-á querido acabar com as detenções-espectáculo que assistimos em casos mediáticos. É uma má transposição do parágrafo 127.º do CPP alemão. O problema dos slogans a partir de casos concretos é que não se aplicam à generalidade das situações. Há mais motivos, além do perigo de fuga, para que alguém seja presente ao juiz.

– O que propõe?

– Devem ser alterados os artigos 257.º/1 e 385.º/1 ou criadas outras normas, em leis avulsas como a nova de segurança interna, para acautelar crimes em execução ou com perigo de continuação actividade criminosa.

Fonte: Correio da Manhã de 01.10.2007

2007-09-24

Alargamento dos prazos de prisão preventiva... para crimes que não existem!


Será impressão minha, ou o art. 215.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, que regula a sensível matéria dos prazos de duração máxima da prisão preventiva e (como todos sabem) foi alterado pela recente «reforma», alarga tais prazos quando se trate de crimes que eram tipificados por normas que foram revogadas há quase 4 anos?

É que continuam a constar da alínea a) do n.º 2 do art. 215.º, para o efeito de alargamento dos prazos máximos de prisão preventiva, os crimes previstos nos artigos 312.º, n.º 1, e 315.º, n.º 2, do Código Penal, expressamente revogados pelo n.º 3 do art. 2.º da Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro!

2007-09-15

A previsão da impunidade


Ainda a propósito da libertação maciça de reclusos neste fim-de-semana, decorrente das alterações agora introduzidas na legislação penal, cito PEDRO SOARES MARTINEZ:

«A previsão da impunidade

Poderá acontecer que, minados embora os alicerces morais e de civilidade do estado social, este se mantenha, por algum tempo, na base do receio das punições estaduais, que garantirão o tal mínimo ético, definido pelo poder. Desde que, pela sua dureza, ou pela solidez da rede preventiva estabelecida, as sanções legais sejam, efectivamente, temidas.

Não sendo assim, a previsão de que as infracções ficarão impunes começará por alargar a esfera da marginalidade, dentro de qualquer Estado. E, por autodefesa contra os marginais, ou por natural propensão dos homens para claudicarem, lesando o seu semelhante e renunciando ao próprio aperfeiçoamento, alastrará a convicção de que tudo é permitido. Porque não há Deus e porque, sem apoio numa ordem divina ou natural, o próprio Estado renuncia às suas funções, duvidando da legitimidade, do fundamento, para exercê-las. Também não haverá castigos humanos.

Essa convicção de que tudo é permitido passa. Até, mais que não seja, pelo instinto de conservação dos homens, que terá influenciado a construção de HOBBES. Mas não passa sem ter gerado profundas involuções no processo cultural dos povos, forçados a reencontrarem-se, no meio das maiores ruínas e misérias, dos corpos e dos espíritos.»

(Filosofia do Direito, Almedina, 1991, páginas 556-557)

Objectivo: esvaziar prisões (3)


Começo este post com a transcrição de uma notícia da LUSA:

«Lisboa, 15 Set (Lusa) - Cento e quinze presos preventivos foram hoje libertados e sujeitos a medidas de coacção alternativas, disse à Lusa fonte da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP).

Uma nota da DGSP refere que "por decisão judicial, no âmbito da aplicação das alterações introduzidas na legislação penal (que entrou hoje em vigor), foram libertados 115 reclusos até às 17 horas de hoje".

Destes, "38 saíram por terem ultrapassado a duração máxima da prisão preventiva e os restantes 77 por não se aplicar prisão preventiva aos crimes pelos quais se encontram indiciados", refere a nota.

A DGSP explica também que os reclusos agora libertados, e, por determinação judicial, além do Termo de Identidade e Residência (TIR), "ficaram na sua maioria sujeitos a medidas de coacção alternativas à prisão preventiva".

De entre essas medidas aplicadas estão a obrigação de permanência na habitação - em alguns casos através da vigilância electrónica - prestação de caução, proibição de contactos e obrigação de apresentação periódica".

O Código de Processo Penal, que entrou hoje em vigor, restringe a prisão preventiva, passando esta medida de coacção a poder ser aplicada apenas a crimes cuja pena prevista é superior a cinco anos.

Porém, no mesmo código está expressamente previsto que para crimes como corrupção, terrorismo e outros altamente organizados possa ser aplicada a prisão preventiva aos arguidos, independentemente da pena respectiva não atingir os cinco anos de prisão.»

Isto é apenas o início.

O objectivo das alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal que entram em vigor neste fim-de-semana atribulado para a Justiça é mais vasto, conforme salientei AQUI e AQUI.

É natural que, nos próximos dias e semanas, muitos mais reclusos sejam libertados por terem atingido os novos prazos máximos de prisão preventiva.

E é inevitável que cada vez menos criminosos sejam condenados em penas de prisão efectiva, por força das alterações ao Código Penal.

Ou seja, mais criminosos - e estou a falar em criminalidade grave e muito grave, não na bofetada ou na injúria, que não levam ninguém para a prisão - em liberdade.

Espero para ver a evolução da criminalidade grave e muito grave nos próximos tempos.

2007-09-03

Publicação de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo criminal - 3


Creio que alguns daqueles que se opõem à nova protecção legal do produto das escutas telefónicas nem sequer sabem bem daquilo que estão a falar. Isto é, nunca ouviram a gravação de uma conversa telefónica entre duas pessoas. Provavelmente, se tivessem ouvido, avaliariam o problema de forma diferente.

Cada um tem a sua própria sensibilidade, é claro. Falo por mim, que tenho ouvido muitas «escutas» por dever de ofício - ouvir a gravação de uma conversa privada é penoso, incomoda-me. Como já aqui referi, raramente uma conversa «escutada» se resume àquilo que interessa ao processo. As pessoas falam daquilo que interessa ao processo e, logo na frase seguinte, falam de pormenores íntimos das suas vidas ou das vidas de terceiros. Ou falam de forma descontraída, utilizando por vezes o vernáculo, como só com os amigos por vezes se fala. Ou referem-se a terceiros de forma menos delicada. Por aquilo que dizem e pela forma como o dizem, expõem-se.

Ora, isto não deve sair do processo e, muito menos, ser escarrapachado num jornal ou divulgado numa televisão, sob pena de a privacidade e, mesmo, a intimidade das pessoas se tornar palavra vã.

Nesta mensagem, defendi que a própria publicidade da audiência de julgamento possa e, pelo menos em certos casos, deva ser excluída, para salvaguarda da honra, da privacidade e da intimidade das pessoas intervenientes nas conversas interceptadas e, mesmo, de terceiros.

Este entendimento não me surgiu em abstracto, mas numa audiência de julgamento em que, com a sala cheia de gente, estavam (ou melhor, começaram) a ser ouvidas - porque era indispensável para a defesa dos arguidos, para mais porque as escutas que tinham «chegado» à fase de julgamento haviam sido seleccionadas - gravações de escutas. Após a audição de meia dúzia de conversas e perante o teor da última destas, o compreensível incómodo dos arguidos que nela intervinham, que falavam muito mais sobre as «conquistas» de um deles junto do sexo oposto, identificando pelo menos uma das «conquistadas», do que sobre tráfico de estupefacientes, que era aquilo que interessava, e o consequente divertimento de alguns dos espectadores, ficou patente que aquilo não podia continuar. Parou imediatamente a audição da gravação em causa e a audiência decorreu com exclusão da publicidade enquanto se «ouviram escutas».

Ora, é isto que pretendem continuar a ver publicado nos «media» quando se trate de «pessoas públicas»? Conversas sobre a vida privada dos próprios intervenientes ou de terceiros, conversas seja sobre o que for no tom que só usamos - todos nós, penso eu - com os nossos amigos mais chegados? Não pode ser!

Por isso, concordo com o regime do n.º 4 do art. 88.º do CPP.

Publicação de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo criminal - 2


O argumento de que o disposto no n.º 4 do art. 88.º do CPP impede a verificação pública das decisões dos tribunais não colhe.

Face ao dever de fundamentação das sentenças, todos os meios de prova que tiverem sido relevantes para a decisão têm de ser naquela mencionados, justificando-se porque o foram.

Se uma conversa ou um conjunto de conversas interceptadas através de escutas tiver sido relevante para a formação da convicção do juiz ou do colectivo de juízes, a sentença terá de explicar porquê - e, aí, não se corre o risco de a fundamentação exceder aquilo que é essencial para os fins do processo, assim se salvaguardando a intimidade e a privacidade das pessoas. Não há, assim, qualquer necessidade de divulgação pública das conversas interceptadas.

Publicação de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo criminal - 1


Artigo 88.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, introduzido pela 15.ª alteração a este último:

«Não é permitida, sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação».

É esta a norma objecto de todas as críticas nestes primeiros dias subsequentes à publicação da 15.ª alteração ao CPP.

O argumento fundamental, por aquilo que tenho lido, é o de que tal norma limita a liberdade de imprensa e, genericamente, a possibilidade de conhecimento público dos processos penais, de forma desproporcionada e sem justificação aceitável.

Acrescentam alguns que esta norma só se compreende à luz daquela que, segundo afirmam, foi a verdadeira intenção da alteração legislativa em causa - salvaguardar políticos, ou certos políticos, ou certos políticos de certo partido, de situações semelhantes à ocorrida no «Processo Casa Pia».

A problemática da divulgação de conversas obtidas através de escutas telefónicas não pode ser analisada apenas à luz das exigências decorrentes do segredo de justiça, como me parece que alguns estão a fazer. Essa limitação, de natureza processual, é, neste domínio, a menos importante, segundo me parece.

O essencial - e parece-me ser essa a razão de ser do novo n.º 4 do art. 88.º do CPP - é que, do ponto de vista substancial, ou seja, dada a sua natureza, o produto das escutas telefónicas constitui matéria do foro privado dos «escutados». E não deixa de o constituir pelo facto de ter sido interceptado no âmbito de um processo criminal.

Trata-se de conversas privadas, que excepcionalmente foram interceptadas para um determinado efeito - a administração da justiça penal - mas, fora desse âmbito e salvo vontade expressa de todos os seus intervenientes em contrário, devem manter-se reservadas, nomeadamente através do regime agora instituído - o qual só peca por não resolver todos os problemas, mas apenas o maior deles, que tem sido a indecente divulgação, em alguns meios de comunicação social, de conversas privadas interceptadas em processos criminais.

2007-08-16

Reincidência, essa desconhecida.


Para se tentar justificar o generalizado e muito significativo abrandamento da punição pela prática de crimes (incluindo crimes graves) que a 21.ª alteração do Código Penal, ao que tudo indica, imporá, tem-se usado e abusado da ideia de reinserção social, como aqui sublinhei.

Esquematicamente, o raciocínio dos defensores da referida alteração legislativa é este: as prisões não reinserem o delinquente na sociedade, muito pelo contrário; logo, quanto menos prisão, mais reinserção.

Deixando de lado o primarismo deste raciocínio, que o torna, logo à partida, imprestável para encarar de frente tão complexa problemática (ainda que «passe bem» em órgãos de comunicação generalistas, precisamente devido ao seu simplismo), ocorre-me lembrar que quem assim fala, fala daquilo que desconhece.

Alguém, em Portugal, possui dados que permitam avaliar se o cumprimento de penas de prisão efectiva contribui ou não para a reinserção social dos reclusos? Ou se esse objectivo tem sido conseguido com maior sucesso através do cumprimento de penas diversas da prisão efectiva?

Por outras palavras, alguém, em Portugal, conhece com rigor as taxas de reincidência (em sentido amplo)? Alguém possui dados rigorosos sobre eventuais diferenciações dessas taxas em função da natureza da pena anteriormente cumprida pelo delinquente reincidente, por forma a sustentar a tão propalada ideia de que a aplicação de penas de prisão efectiva é a negação da ideia de reinserção social?

Ou andarão os defensores da 21.ª alteração do Código Penal a sustentar a sua tese e - o que é grave - a baixar significativamente o nível da punição do crime apenas com base numa «impressão» pessoal ou numa ideia feita e até simpática para muitos, mas não devidamente fundamentada?

A propósito, transcrevo excertos de um artigo de NATÁLIA FARIA inserido no jornal Público de 19.11.2006:

«Um número: no ano passado, as cadeias portuguesas libertaram 5880 reclusos. Quantos destes reincidiram no crime? Nenhuma resposta. Em Portugal, ao contrário do que acontece em Espanha, na Alemanha ou no Reino Unido, não há estudos sobre a reincidência.

Só no ano passado, as cadeias portuguesas libertaram 5880 detidos. Mas quantos destes conseguiram reintegrar-se e quantos voltaram para a cadeia é algo que ninguém arrisca avançar. "Era fundamental que se fizesse esse estudo sobre a taxa de reincidência que permitisse avaliar e corrigir as políticas de reinserção social que têm vindo a ser seguidas", aconselha Conceição Gomes, directora executiva do Observatório Permanente de Justiça.

"A experiência diz-me que há uma percentagem elevada de indivíduos reincidentes, que voltam ao crime e que voltam à prisão, mas efectivamente não temos nenhum levantamento sobre isso", confirma Fernando Mariz, director do departamento de coordenação e apoio técnico da Delegação Regional do Norte do Instituto de Reinserção Social.

Em Espanha, que detinha em Outubro 16.800 reclusos, a taxa de reincidência varia entre os 37 e os 70 por cento, de acordo com os crimes cometidos. Em Portugal, o Estado, que gasta uma média de 40 euros/dia por cada recluso (e eram 12.846, no passado dia 16), continua sem saber até que ponto o sistema prisional cumpre um dos seus pressupostos, ou seja, "a ressocialização do condenado, como meio de evitar a reincidência e desse modo proteger a sociedade dos agentes do crime", conforme se lê no estudo A Reinserção Social do Recluso - Um contributo para o debate sobre a reforma do sistema prisional, elaborado em 2003 a pedido do Ministério da Justiça, então tutelado por Celeste Cardona, mas que acabou por cair no esquecimento.»

2007-07-18

Candura


"As almas cândidas dizem que na prevenção, e só na prevenção, está a salvação.

A ideia é antiga e parte do pressuposto do filósofo Jean-Jacques Rousseau: o homem é naturalmente bom.

Rousseau podia dizê-lo porque nunca educou os filhos, abandonava-os."

(Ferreira Fernandes)

Continua AQUI

2007-07-01

Segurança pública – a mal amada

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Hoje, em Portugal, a apologia do valor da segurança é mal vista pela generalidade da opinião publicada.

Como se se tratasse de valores inconciliáveis entre si, a segurança pública é quase invariavelmente desvalorizada, quando não mesmo olhada com desconfiança, em nome das «amplas liberdades» – embora, quando algumas liberdades básicas de uma democracia são realmente postas em causa, o silêncio de muitos desses pretensos guardiães das liberdades seja ensurdecedor… mas isso é outra história.

Quando se propõe qualquer inovação em matéria de segurança pública que corra o risco de ser eficaz (é o caso da videovigilância em locais públicos), lá vem o papão do «Big Brother».

Quando o valor da segurança pública é defendido mais vigorosamente, lá vem o chavão da «deriva securitária», que oiço de cada vez mais bocas mas de cuja existência nunca me apercebi – a haver alguma «deriva» neste domínio, é uma deriva laxista, que se acentua progressivamente.

Liberdade e segurança não são inconciliáveis. Ao contrário, sem segurança, não há liberdade, excepto a de cometer crimes impunemente. As pessoas que não possuem capacidade económica para deixar de viver em zonas problemáticas sabem-no perfeitamente, porque o aprenderam nos transportes públicos que têm de utilizar e nas ruas por onde, para salvaguarda das suas vidas, da sua integridade física e/ou dos seus bens, deixaram de circular a partir de determinada hora, ou deixaram de circular pura e simplesmente.

Neste ambiente, é reconfortante ler o Relatório de Segurança Interna de 2002, que, logo na parte introdutória, contém o texto que em seguida se reproduz. É um texto simples, que seria até trivial se não vivêssemos numa época em que até valores básicos da vida em sociedade parecem estar invertidos. Os realces são da minha autoria.

«Liberdade e Segurança

O Título II da Parte I da Constituição da República fixa os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos como princípios básicos indispensáveis ao exercício da democracia e à configuração do Estado de Direito.

Ali se estabelece, no art. 27.º, n.º 1, do diploma, que “todos têm direito à liberdade e à segurança”. Preceito que se integra na esfera dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos a par de outros princípios, como são, designadamente, os da inviolabilidade da vida humana e da integridade moral e física das pessoas.

Daqui flui ser tarefa fundamental do Estado criar as condições necessárias para garantir aos cidadãos a respectiva liberdade e segurança, escopo finalístico das estruturas políticas do regime democrático alcandorado em Estado de Direito.

Com efeito, a liberdade é indissociável da segurança na construção de um regime democrático e na estruturação de um Estado de Direito. A liberdade sem segurança almeja a anarquia, enquanto a segurança sem liberdade abre a porta ao autoritarismo.

Ao Estado democrático cabe criar as condições indispensáveis ao exercício pleno da democracia por parte dos cidadãos. Fá-lo assegurando a estabilidade política, a estabilidade social e a estabilidade das pessoas, traves basilares para o exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Fá-lo, ao fim e ao cabo, garantindo a segurança interna indispensável ao exercício dos direitos dos cidadãos e à composição dos conflitos respectivos no âmbito de um quadro subordinado às leis democráticas. Leis que dimanam do normal funcionamento constitucional dos órgãos de soberania, a Assembleia da República e o Governo, no que respeita à sua elaboração, e os Tribunais no que concerne à sua interpretação e aplicação.

A segurança é em si mesma um valor essencial numa sociedade livre e democrática, sendo concomitantemente um factor imprescindível para o desenvolvimento social e económico do País em paz e tranquilidade.

A conciliação entre estes dois pilares da democracia - o exercício dos direitos e liberdades e a segurança das pessoas - depende em muito da acção das forças e serviços de segurança, cuja actividade se encontra rigorosamente subordinada ao princípio da legalidade e às regras próprias do Estado de Direito democrático.

De acentuar é, que esta actividade das forças e serviços de segurança assente na autoridade dimanada da lei, se destina ao serviço da comunidade e se exerce em espectro amplo e plural que vai desde a actuação na prevenção e combate à criminalidade e na manutenção da ordem pública até às acções de protecção civil de pessoas e bens e de minoração dos efeitos nefastos das grandes catástrofes naturais ou artificiais. Sendo o seu escopo finalístico o serviço da comunidade, a actividade das forças e serviços de segurança implica a colaboração interessada dos cidadãos na respectiva prossecução, seus últimos destinatários e beneficiários.

Assim, a segurança interna constitui um importante sector político do Estado, a ser executado pelo Governo e fiscalizado pela Assembleia da República.»

2007-06-24

Liberdade de expressão - 3

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-03-2004 - LINK

Sumário:

Devem-se considerar atípicos os juízos de apreciação e valoração vertidos sobre realizações científicas, artísticas e profissionais ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, quando não se ultrapasse o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores, criadores e protagonistas.

Factos provados - LINK

Excertos:

Em qualquer Estado de direito democrático é constitucionalmente garantido a todo o cidadão o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento por qualquer meio, bem como o direito de informar sem impedimentos nem discriminações, direitos que se traduzem na liberdade de criação, discussão e crítica (a liberdade de expressão, de informação, da imprensa e demais meios de comunicação social encontra-se consagrada nos artigos 37º e 38º, da Constituição da República Portuguesa).

Esta última forma de tradução do direito de expressão e de informação, designadamente quando assume a natureza de crítica objectiva formulada através da imprensa ou de outro meio de comunicação social, tende a provocar situações de conflito potencial com bens jurídicos como a honra, situações em que de acordo com a doutrina mais recente e actualizada, a relevância jurídico-penal está à partida excluída por razões de atipicidade.

Com efeito, Costa Andrade (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, 232/245.), fazendo apelo à doutrina alemã e à jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, defende que se devem considerar atípicos os juízos de apreciação e valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores, criadores protagonistas, posto que não atinjam a honra pessoal do cientista, artista ou desportista, etc., nem atinjam a honra com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica (Como refere em nota de rodapé (página 223), citando A. D. Weber, este na sua obra Über Injurien und Schmähschriften publicada em finais do século XVIII, consignou: “os juízos francos sobre as criações do espírito ou da arte, sobre as particularidades físicas ou sobre os conhecimentos e as capacidades de outrem, pelo simples facto de o atingirem, suscitando nele um sentimento de desagrado e limitando a sua esfera de influência sobre terceiros, e serem, por isso, prejudiciais, não podem de modo algum ser considerados como injúrias”).

Mais defende e entende que a atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outras áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas, com destaque para os actos da administração pública, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do Ministério Público, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo e o Parlamento (em defesa deste entendimento indica decisão do Tribunal Constitucional Federal, de 5 de Março de 1992, na qual se concluiu que o direito dos cidadãos a criticar os actos dos poderes públicos sem medo de sanções pertence ao núcleo irredutível do direito fundamental de expressão do pensamento).

Por outro lado, entende que a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da “verdade” das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem-fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não se exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso, nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objectiva.

Defende mesmo que se devem considerar atípicos os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do visado, desde que a valoração crítica seja adequada aos pertinentes dados de facto (a título exemplificativo alude ao crítico que estigmatiza uma acusação como “persecutória”, o qual a seu ver pode igualmente assumir que o seu agente, isto é, o magistrado do Ministério Público teve, naquele processo, uma conduta “persecutória”).

No entanto, esclarece que a atipicidade já não poderá sustentar-se para os juízos que atingem a honra pessoal e a consideração pessoal, perdendo todo e qualquer ponto de conexão com a prestação ou a obra que, em princípio, legitimaria a crítica objectiva, nem para os juízos de facto feitos no contexto duma valoração crítica objectiva, a menos que pressuposta a prova da verdade (ibidem, 238/239.), o que significa que só se deverão ter por atípicos os juízos de facto ofensivos em que a verdade do facto ou factos em que os mesmos assentam é evidente ou notória ou se mostra já demonstrada.

Mais esclarece que se deve excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas, bem como a outros juízos de valor exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar e, bem assim, em todas as situações em que os juízos negativos sobre o visado não têm nenhuma conexão com a matéria em discussão, consignado expressivamente que uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma desconsideração dirigida à sua pessoa.

(...) o escrito que subjaz aos presentes autos é atípico. Com efeito, o mesmo mais não traduz, relativamente à pessoa do assistente, que uma crítica objectiva, formulada mediante a utilização de um juízo de valor, através do qual o seu autor opinou sobre o comportamento profissional daquele enquanto advogado da Câmara Municipal, juízo que, muito embora negativo, já que põe em causa o trabalho de advogado do assistente e a sua competência técnica, não atinge ou agride este pessoalmente, não constitui calúnia, nem se pode dizer tenha sido motivado exclusivamente pelo propósito de rebaixar ou de humilhar.

Aliás, há que reconhecer que o escrito em causa, atenta a sua natureza de artigo crítico e o seu específico conteúdo, inequivocamente de interesse público e legítimo (interesse público é não só o que diz respeito a todos, à colectividade, mas também o que diz respeito a uma parte significativa da sociedade, designadamente a uma região ou a uma cidade, sendo legítimo todo o interesse que se conforme com a ordem jurídica – Cf. Oliveira Mendes, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal (1996), 68/69.), características que o colocam na categoria de acto informativo integrante daquele núcleo de actividade em que a comunicação social exerce a sua função pública, (Entende-se que a comunicação social exerce a sua função pública quando o acto informativo aborda questões em matéria social, política, económica e cultural, tendo em vista o esclarecimento ou a formação da opinião pública) encontra-se elaborado e redigido com moderação e contenção, a significar que, independentemente da aceitação e adopção da orientação defendida por Costa Andrade, sempre se deveria ter por justificado o facto, de acordo com as regras gerais do artigo 31º, do Código Penal, concretamente a constante da alínea b), do seu número 2.

2007-06-21

Sobre a natureza humana

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ONG faz alerta sobre tráfico de órgãos na Ásia - Link
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O crime organizado e o tráfico de órgãos e tecidos - Link
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Furto de órgãos humanos - Link
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Turismo para transplante de órgãos - Link
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2007-06-17

Liberdade de expressão - 2

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.10.2000 (LINK):

Sumário:

I - Todo o cidadão tem direito à protecção jurídica da sua honra e consideração, bem como da sua privacidade/intimidade, palavra e imagem.

II - Porém, para as "pessoas da história do seu tempo", ou seja, para aqueles que ocupam a boca de cena no palco da vida política, cultural, desportiva, etc., a tutela dos bens pessoais em questão é mais reduzida e fragmentada do que no caso do cidadão comum.

2007-06-16

Liberdade de expressão - 1

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.05.2005 (LINK):

Sumário:

Na luta política pode considerar-se legítimo o uso de frases ou expressões que, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas.

Excertos:

- É próprio da vida social a ocorrência de algum grau de conflitualidade entre os membros da comunidade. Fazem parte do seu ontológico as desavenças, diferentes opiniões, choques de interesses incompatíveis que causam grandes animosidades. Estas situações, entre outros meios, expressam-se ao nível da linguagem, por vezes de forma exagerada ou descabida. Onde uns reconhecem firmeza, outros qualificam de gritaria, impropérios, má educação ou indelicadeza. Mas como se escreveu em recentes acórdãos desta Relação e Secção, “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função” – ac. de 12.6.02, Recurso 332/02, de que foi relator o Des. Dr. Manuel Braz.

- Não cabe aos tribunais avaliar se uma afirmação é justa, razoável ou grosseira.

- Apenas há um limite: não pode ser atingida a honra do visado – um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior - Comentário Conimbricence, Tomo I, pág. 607.

- Também esta ideia do Prof. Faria Costa a ter em conta: o facto de a honra ser um bem jurídico pessoalíssimo e imaterial, a que não temos a menor dúvida em continuar a assacar a dignidade penal, mas um bem jurídico, apesar de tudo, de menor densidade axiológica do que o grosso daqueles outros que a tutela do ser impõe. Uma prova evidente de tal realidade pode encontrar-se nas molduras penais - de limites extraordinariamente baixos - que o legislador considerou adequadas para a punição das ofensas à honra. E a explicação para tal “estreitamento” da honra enquanto bem jurídico, para uma certa perda da sua importância relativa, pode justificar-se, segundo cremos, de diferentes modos e por diferentes vias. Por um lado, julgamos poder afirmar-se uma sua verdadeira erosão interna, associada à autonomização de outros bens jurídicos que até algumas décadas estavam misturados com essa pretensão a ser tratado com respeito em nome da dignidade humana que é o núcleo daquilo a que chamamos honra. Referimo-nos a valores como a privacidade, a intimidade ou a imagem, que hoje já têm expressão constitucional e específica protecção através do direito penal. Por outro lado, cremos ser também indesmentível a erosão externa, a que a honra tem sido sujeita, quer por força da banalização dos ataques que sobre ela impendem - tão potenciados pela explosão dos meios de comunicação social e pela generalização do uso da internet, quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal – págs. 104-105,” Direito Penal Especial”, Coimbra Editora, 2004.

- Encontramos a mesma constatação na doutrina e jurisprudência comparados: na luta política, para a consecução dos fins a que esta aspira, historicamente verificou-se uma alteração na linguagem e uma desensibilização da opinião pública sobre o significado de algumas palavras e sobre certas frases usadas por pessoas que na mesma estão envolvidas, de modo que pode considerar-se como legítimo o uso de frases e expressões que em comum, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas – “Diffamazione a mezzo stampa e risarcimento del danno”, Francesco Verri e Vincenzo Cardone, giuffré editore, 2003, pág. 210.

- O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reteve como lícitas, no âmbito da luta política, uma expressão como imbecil,(1.7.1997, DDP, 1997, 10, 1209); lobbista, experiente em urbanizações selvagens, comissário de negócios sujos, são outros exemplos mencionados na ob. cit. , a fls. 213.

- Nas apontadas asserções poderá depara-se com algum tipo de censura, ao nível ético, de deselegância, de injusto possivelmente – mas no fundamental trata-se de debate político corriqueiro e do quotidiano da democracia.

- Diferente seria o caso de se tratar de expressões gratuitamente injuriosas, não correlacionadas com a ideia que se pretende exprimir ou a formulação de juízos de valor que não exprimissem uma polémica tomada de posição contra um particular modo de gerir os assuntos públicos mas apenas uma vontade de agressão gratuita e de confronto com a personagem pública.

2007-06-15

Reforma do Código Penal - debate parlamentar

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Uma vez preparado o terreno nas mensagens anteriores, vamos então recordar um facto ocorrido há cerca de 4 meses – o debate parlamentar na generalidade sobre o projecto de reforma do Código Penal.

Aquilo que a generalidade das pessoas vai conhecendo da actividade parlamentar resume-se aos curtos excertos das intervenções de alguns deputados que são passados nas televisões, tantas vezes só compreensíveis se enquadradas no contexto em que têm lugar e, pior ainda, seleccionadas segundo o critério da sua espectacularidade (televisão é essencialmente espectáculo, sem o qual não há audiências, e sem audiências não há dinheiro da publicidade, como se sabe) e não do seu mérito – o que os deputados sabem e alguns deles exploram com um saber de experiência feito.

Por isso, a leitura do Diário da Assembleia da República é indispensável para quem queira conhecer o que realmente se passa nas sessões plenárias desse órgão de soberania.

O debate parlamentar acima aludido teve lugar no dia 21 de Fevereiro de 2007 e está documentado no Diário da Assembleia da República do dia seguinte.

Aí foram produzidas declarações extremamente optimistas sobre as virtualidades de medidas alegadamente inovadoras (embora a maior parte destas sejam mais do mesmo, só que em doses diferentes) contidas no projecto de revisão.

Convém não esquecer tais declarações.

Por um lado, o futuro dirá se o referido optimismo se justifica ou se a razão está, antes, do lado de quem, no próprio debate parlamentar, suscitou reservas – que me parecem justas – em relação a algumas das soluções propostas.

Por outro, já hoje a vida se encarrega de demonstrar que muito do «discurso oficial» sobre a criminalidade passa completamente ao lado da realidade, como resulta da leitura de inúmeras decisões judiciais.